quinta-feira, 19 de maio de 2016

A tutela penal à integridade fisiopsíquica do ser humano: crimes de lesões corporais Art. 129 CP

A tutela penal do crime em estudo visa abarcar a proteção à incolumidade da pessoa, que não se restringe à anatomia ou ao aspecto físico, apenas, mas protegendo, também, a saúde psíquica, mental do indivíduo.

Assim, tem-se que o objeto da tutela penal é a integridade física ou fisiopsíquica do indivíduo. A inteligência, bem como as demais atividades funcionais do cérebro compõem o bem jurídico que se atinge com a prática das lesões corporais, pois correspondem à atividade funcional de um dos órgãos mais importantes do corpo humano, que é o cérebro. 

É um delito que resulta da aplicação de violência, sendo crime comum, passível de ser praticado por qualquer pessoa; tem-se como sujeito passivo qualquer ser humano com vida extra-uterina.

Este crime busca, através da proteção do interesse individual, tutelar um interesse coletivo, que é a manutenção da integridade dos cidadãos, para que estes se conservem capazes de promover o crescimento e desenvolvimento da sociedade e do Estado.

Obs.: LEI 10.886/04 – Acrescentou os §§ 9º e 10 ao art. 129 do CP (inclusão da violência doméstica que causa lesão corporal.

– Bem jurídico tutelado – é a integridade corporal e a saúde da pessoa humana, isto é, a saúde do indivíduo.

– Sujeitos ativo e passivo – o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (é crime comum); o sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa viva, exceto nas figuras qualificadas dos §§ 1º, IV e 2º, V, nas quais somente a mulher grávida pode figurar como sujeito passivo.

– Consumação e tentativa – consuma-se o delito com a efetiva lesão à integridade física ou a saúde de outrem. A pluralidade de lesões infligidas num único processo de atividade não altera a unidade do crime. A tentativa é admissível, salvo nas modalidades culposa e preterdolosa. Caracteriza-se a tentativa quando o agente age com animus leadendi, mas não consegue concretizar o crime por circunstâncias alheias à sua vontade (é impedido por terceiro, por exemplo).

– Lesão corporal leve ou simples a definição de lesão corporal leve é formulada por exclusão, ou seja, configura-se quando não ocorrer nenhum dos resultados previstos nos §§ 1º, 2º, 3º e 6º do art. 129 do CP.

A lesão corporal abrange ofensa à saúde do corpo e da mente, além de ofensa à integridade corpórea.

A lesão corporal do caput do art. 129 do CP é sempre dolosa e, nesse caso, exige os seguintes requisitos:

a) dano à integridade física ou à saúde de outrem;
b) relação causal entre a ação e o resultado;
c) animus leadendi.

A previsão do § 5º do art. 129 destina-se somente à lesão corporal leve. Por fim, é preciso lembrar que a lesão corporal leve exige representação, conforme art. 88 da Lei 9.099/95.

– Aplicação do princípio da insignificância na lesão corporal leve – frequentemente, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal, porque, em verdade, o bem jurídico não chegou a ser lesado. Em função disso, alguns autores entendem que a lesão à integridade física ou à saúde deve ser, juridicamente, relevante. É indispensável, em outros termos, que o dano à integridade física ou à saúde não seja insignificante (Cezar Roberto Bitencourt, Rogério Greco e outros). A irrelevância deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem jurídico tutelado, mas, especialmente em relação ao grau de sua intensidade. Para alguns, deve ser aferida a insignificância não apenas em relação ao desvalor do resultado, mas também, em relação ao desvalor da ação.

– Lesão corporal grave: hipóteses – o § 1º do art. 129 relaciona quatro hipóteses que qualificam a lesão corporal, quais sejam: 

1) incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias – relaciona-se ao aspecto funcional e não apenas econômico (trabalho, lazer, recreação etc.). Por isso, crianças e até bebês podem ser sujeitos passivos desta modalidade de lesão corporal. A simples vergonha de aparecer em público em razão das lesões, por si só, não qualifica o crime. A atividade deve ser lícita, mas, pode ser imoral, tal como: prostituição (que não é ilícita). Somente o exame de corpo de delito é insuficiente para a caracterização dessa qualificadora, exigindo-se o exame complementar logo que tenha decorrido o prazo de 30 dias, exame esse que pode ser suprido por prova testemunhal (art. 167, §§ 2º e 3º do CPP);

2) perigo de vida (perigo de morte) – deve haver não a simples possibilidade, mas, a probabilidade concreta e efetiva de morte quer como conseqüência da própria lesão, quer como resultado do processo patológico que esta originou. O perigo deve ser pericialmente comprovado. Se a probabilidade de morte da vítima tiver sido objeto do dolo do agente, o crime será o de tentativa de homicídio e não de lesões corporais; 

3) debilidade permanente de membro, sentido ou funçãodebilidade é a redução ou enfraquecimento da capacidade funcional da vítima. Permanente é a debilidade de duração imprevisível (não é necessário que seja definitiva, perpétua e impassível de tratamento). Membros são partes do corpo que se prendem ao tronco. Sentido é a faculdade de percepção e de comunicação (visão, audição, olfato, paladar e tato). Função é a atividade específica de cada órgão do corpo humano (respiratória, circulatória etc.);

4) aceleração de parto – é a antecipação do nascimento do feto, com vida e viabilidade para permanecer vivo fora do útero da mãe. O agente deve ter conhecimento da gravidez da vítima.

Obs. Todas as qualificadoras do § 1º do art. 129 do CP são de natureza objetiva e, por isso, havendo concurso de pessoas, haverá comunicação.

– Lesão corporal gravíssima – O § 2º relaciona cinco hipóteses que qualificam a lesão corporal. Onomen iuris lesão corporal gravíssima é atribuído pela doutrina.

1) incapacidade permanente para o trabalho – aqui a incapacidade não é temporária, mas permanente e para o trabalho em geral, não somente para a atividade específica que a vítima vinha exercendo (ex.: agente que causa lesão corporal nas mãos de um pianista que lhe impeça de tocar piano, mas, não lhe impeça de exercer outras atividades laborativas não responde por lesão corporal gravíssima do § 2º, I, do art. 129 do CP). A incapacidade, que pode ser física ou psíquica, deve ser para o trabalho e não para as ocupações habituais. A permanência da incapacidade não precisa ser perpétua, bastando um prognóstico de irreversibilidade. Mesmo que a vítima se cure no futuro, a lesão gravíssima terá se configurado.

2)enfermidade incurável – é a doença cuja curabilidade não é conseguida no atual estágio da Medicina. A incurabilidade deve ser aferida com dados da ciência atual, com um juízo de probabilidade, sendo suficiente o prognóstico pericial. São inexigíveis intervenções cirúrgicas arriscadas ou tratamentos duvidosos. 

3) perda ou inabilitação de membro, sentido ou função – há perda quando cessa o sentido, a função ou quando o membro é extraído, por meio de mutilação ou amputação (aquela ocorre no momento da ação delituosa; esta decorre de intervenção cirúrgica). Há inutilização quando cessa ou interrompe-se definitivamente a atividade do membro, sentido ou função, sem exclusão (sem extração). Entende-se que, tratando de membro ou órgão que exista em duplicidade (ex.: braços, olhos, orelhas, rins, pulmões etc.), a perda ou inutilização de um deles, restando o outro intacto, caracteriza a lesão corporal do art. 129, § 1º, III e não a do § 2º, III. 

4) deformidade permanente – a deformidade deve representar lesão estética de certa monta, capaz de produzir desgosto, desconforto a quem vê e vexame ou humilhação ao portador. Deve ser analisada caso a caso (ex.: cicatriz no rosto de uma jovem é muito mais grave do que no rosto de um homem adulto). É necessário que haja comprometimento permanente, definitivo, irrecuperável do aspecto físico-estético. A deformidade não perde o caráter de permanente quando pode ser dissimulada por meios artificiais, como cirurgia plástica, a qual ninguém está obrigado.

5)aborto trata-se de crime preterdoloso. O agente não pode querer nem assumir o risco de provocar o aborto, pois, caso contrário, poderá responder por dois crimes em concurso formal impróprio ou por aborto qualificado (art. 127 do CP). É necessário que o agente tenha conhecimento da gravidez da vítima.

Obs. Não caracteriza a perda de membro, sentido ou função a cirurgia para extração de órgãos genitais de transexual,com a finalidade de curá-lo ou de reduzir seu sofrimento físico ou mental. A conduta é atípica, pois, falta o dolo de ofender a integridade física ou a saúde de outrem.

– Possibilidade de tentativa na lesão corporal grave e gravíssima – a grande maioria da doutrina admite a tentativa de lesão corporal grave ou gravíssima (ex.: agente que tenta mutilar a vítima com um machado, golpeando-lhe na perna, mas, apenas causa ferimento e é impedido de prosseguir por um terceiro). O STF já decidiu, inclusive, pela admissibilidade de tentativa de lesão grave, ainda que a vítima não tenha sofrido qualquer ferimento (RHC 53.705 de 31/10/1975). Porém, a tentativa não é possível nos casos previstos no art. 129, §§ 1º, IV e 2º, V e 3º por tratarem-se de delitos preterdolosos, caso em que o resultado mais grave não pode fazer parte do dolo do agente.

– Lesão corporal seguida de morte – é conhecida na doutrina como homicídio preterdoloso (dolo nas lesões e culpa na morte) e tem previsão no art. 129, § 3º do CP. Se o resultado morte for decorrente de caso fortuito ou força maior, o sujeito responderá apenas pelas lesões corporais; se houver dolo eventual quanto ao resultado mais grave, o agente responderá por homicídio. A competência é do juiz singular (vide art. 74, § 1º do CPP).

– Figura privilegiada – prevista no art. 129, § 4º do CP. Aplica-se o mesmo raciocínio estabelecido para o art. 121, § 1º do CP.

– Lesão corporal culposa – sua previsão está no art. 129, § 6º do CP e irá configurar-se se presentes: 
  • comportamento humano voluntário; 
  • descumprimento de dever objetivo de cuidado; 
  • previsibilidade objetiva do resultado;
  • lesão corporal involuntária.
Não importa que a lesão causada culposamente seja leve, grave ou gravíssima, a pena será a do § 6º do art. 129 do CP (a gravidade da lesão e as circunstâncias do crime serão avaliados no momento da aplicação da pena – art. 59 do CP).

– Perdão judicial – admite-se o perdão judicial para a lesão culposa, conforme prevê o art. 129, § 8º do CP. Aplica-se aqui o raciocínio estabelecido quando da análise do art. 121, § 5º do CP. Tem natureza jurídica de causa de extinção da punibilidade (art. 107, IX do CP). Segundo Delmanto, aplica-se também aos casos do art. 129, § 7º do CP, mas, somente no que se refere ao agravamento da pena da lesão corporal culposa.

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