domingo, 25 de outubro de 2015

Resumo do Livro - DOS DELITOS E DAS PENAS - Beccharia

Dos Delitos e das Penas
“Dos delitos e das penas” é uma obra que pertence à corrente filosófica da segunda metade do século XVIII.
Na época as penas constituíam uma espécie de vingança coletiva; que induzia à aplicação de punições com consequências superiores e mais terríveis que os males produzidos pelos delitos, como a prática de torturas, penas de morte, prisões desumanas, banimentos e acusações secretas.
Foi contra essa situação que essa obra foi elogiada, pois a humanidade encontrava novos caminhos para garantir a igualdade e a justiça.

Introdução

As vantagens da sociedade devem ser igualmente repartidas entre todos os seus membros. No entanto, nota-se que os privilégios, o poder e a felicidade,  se acumulam num  menor número, deixando para à maioria miséria e fraqueza.
Só com boas leis podem impedir-se tais abusos, e as verdades filosóficas revelaram as verdadeiras relações que unem os soberanos aos súditos e os povos entre si.
E mesmo no nosso século, longe estamos de dissipar os preconceitos que tínhamos. Ninguém se levantou, contra a barbárie das penas em uso nos nossos tribunais. Ninguém se ocupou em reformar a irregularidade dos processos criminais.  Raramente se procurou destruir, as séries de erros acumulados desde vários séculos; e poucas pessoas tentaram reprimir, os abusos de um poder sem limites, e fazer cessar os exemplos bem frequentes dessa fria atrocidade que os homens poderosos encaram como um dos seus direitos.
Indicarei os princípios gerais, as faltas mais comuns e os erros mais funestos, evitando os excessos dos que, por um amor mal entendido da liberdade, procuram introduzir a desordem, e dos que desejariam submeter os homens à regularidade dos claustros.
Mas, qual é a origem das penas, e qual o fundamento do direito de punir? Quais serão as punições aplicáveis aos diferentes crimes? Será a pena de morte verdadeiramente útil, necessária, indispensável para a segurança e a ordem da sociedade? Serão justos os tormentos e as torturas? Conduzirão ao fim que as leis propõem? Quais os melhores meios de prevenir os delitos? Serão as penas úteis em todos os tempos? Que influência exercem sobre os costumes? Esses problemas merecem que se procure resolvê-los com essa precisão geométrica que triunfa da destreza dos sofismas, das dúvidas e das seduções da eloquência.
Mas, ao sustentar os direitos do gênero humano e da verdade, contribuí para salvar da morte algumas das vítimas da tirania ou da ignorância funesta, as bênçãos e as lágrimas de um único inocente reconduzido aos sentimentos da alegria e da felicidade consolar-me-iam do desprezo do resto dos homens.

II. ORIGEM DAS PENAS E DIREITO DE PUNIR

A MORAL política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem, se não for fundada sobre sentimentos do coração do homem.
Toda lei que não for estabelecida sobre essa base encontrará sempre uma resistência à qual será constrangida a ceder.
Consultemos, o coração humano; acharemos nele os princípios fundamentais do direito de punir.
Formadas algumas sociedades, os indivíduos viviam num contínuo estado de guerra entre si.
As leis foram as condições que reuniram os homens, cansados de viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil. Com isso sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi encarregado pelas leis do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo.
            Não bastava, ter formado esse depósito; era preciso protegê-lo contra as  usurpações de cada particular, pois tal é a tendência do homem para o despotismo, que ele procura sem cessar, não só retirar da massa comum sua porção de liberdade, mas ainda usurpar a dos outros.
Eram necessários meios poderosos para comprimir esse espírito despótico. Esses meios foram as penas estabelecidas contra os infratores das leis.
Só a necessidade constrange os homens a ceder uma parte de sua liberdade; daí resulta que cada um só consente em pôr no depósito comum a menor porção possível dela, precisamente o que era preciso para empenhar os outros em mantê-lo na posse do resto.
            O conjunto de todas essas pequenas porções de liberdade é o fundamento do direito de punir. Todo exercício do poder que se afastar dessa base é abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; é uma usurpação e não mais um poder legítimo.
            As penas que ultrapassam a necessidade de conservar o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza; e tanto mais justas serão quanto for a segurança e a liberdade que o soberano conservar aos súditos.

III. CONSEQUÊNCIAS DESSES PRINCÍPIOS

A primeira consequência desses princípios é que só as leis podem fixar as penas de cada delito e que o direito de fazer leis penais não pode residir senão na pessoa do legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social.
O magistrado, que também faz parte da sociedade, não pode com justiça infligir a outro membro dessa sociedade uma pena que não seja estatuída pela lei; e, do momento em que o juiz é mais severo do que a lei, ele é injusto, pois acrescenta um castigo novo ao que já está determinado. Segue-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão.
A segunda consequência é que o soberano, que representa a sociedade, só pode fazer leis gerais, às quais todos devem submeter-se; não lhe compete, julgar se alguém violou essas leis.
No caso de um delito, há duas partes: o soberano, que afirma que o contrato social foi violado, e o acusado, que nega essa violação. É preciso, que haja entre ambos um terceiro que decida a contestação. Esse terceiro é o magistrado, cujas sentenças devem ser sem apelo e que deve simplesmente pronunciar se há um delito ou se não há.
Em terceiro lugar, mesmo que a atrocidade das mesmas não fosse reprovada pela filosofia, por essa razão, esclarecida, que prefere governar homens felizes e livres a dominar covardemente um rebanho de tímidos escravos; mesmo que os castigos cruéis não se opusessem diretamente ao bem público e ao fim que se lhes atribui, o de impedir os crimes, bastará provar que essa crueldade é inútil, para que se deva considerá-la como odiosa, revoltante, contrária a toda justiça e à própria natureza do contrato social.

IV. DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS

Resulta ainda, dos princípios estabelecidos precedentemente, que os juízes dos crimes não podem ter o direito de interpretar as leis penais, pela razão mesma de que não são legisladores. Os juízes não receberam as leis como uma tradição doméstica, ou como um testamento dos nossos antepassados, que aos seus descendentes deixaria apenas a missão de obedecer. Recebem-nas da sociedade viva, ou do soberano, que é representante dessa sociedade, como depositário legítimo do resultado atual da vontade de todos.
Não se julgue que a autoridade das leis esteja fundada na obrigação de executar antigas convenções; essas velhas convenções são nulas, pois não puderam ligar vontades que não existiam. Não se pode sem injustiça exigir sua execução; seria reduzir os homens a não passar de um vil rebanho sem vontade e sem direitos. As leis emprestam sua força da necessidade de orientar os interesses particulares para o bem geral e do juramento formal ou tácito que os cidadãos vivos voluntariamente fizeram ao rei.
Qual será, o legítimo intérprete das leis? O soberano, o depositário das vontades atuais de todos; e não o juiz, cujo dever consiste exclusivamente em examinar se tal homem praticou ou não um ato contrário às leis.
O juiz deve fazer um silogismo perfeito. A maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a consequência, a liberdade ou a pena. Se o juiz for constrangido a fazer um raciocínio a mais, ou se o fizer por conta própria, tudo se torna incerto e obscuro.
Cada homem tem sua maneira própria de ver; e o mesmo homem, em diferentes épocas, vê diversamente os mesmos objetos. O espírito de uma lei seria, o resultado da boa ou má lógica de um juiz, de uma digestão fácil ou penosa, da fraqueza do acusado, da violência das paixões do magistrado, de suas relações com o ofendido, enfim, de todas as pequenas causas que mudam as aparências e desnaturam os objetos no espírito inconstante do homem.
As leis devem ser fixas e literais, e só confiarem ao magistrado a missão de examinar os atos dos cidadãos, para decidir se tais atos são conformes ou contrários à lei escrita.
Com leis penais executadas à letra, cada cidadão pode calcular exatamente os inconvenientes de uma ação reprovável; e isso poderá desviá-lo do crime. Gozará com segurança de sua liberdade e dos seus bens.

V. DA OBSCURIDADE DAS LEIS

Se a interpretação arbitrária das leis é um mal, também o é a sua obscuridade, pois precisam ser interpretadas. Esse inconveniente é maior  quando as leis não são escritas em língua vulgar, pois o cidadão, que não puder julgar por si mesmo as consequências que devem ter os seus próprios atos sobre a sua liberdade e sobre os seus bens, ficará na dependência de um pequeno número de homens depositários e intérpretes das leis.
Vemos a utilidade da imprensa, que torna público o código das leis. Foi a imprensa que ajudou a diminuir crimes atrozes, se saímos enfim desse estado de barbárie que tornava nossos antepassados ora escravos ora tiranos, é à imprensa que o devemos.
A humanidade gemia sob o jugo da implacável superstição; a avareza e a ambição de um pequeno número de homens poderosos inundavam de sangue humano os palácios dos grandes e os tronos dos reis. Eram traições e morticínios públicos. O povo só encontrava na nobreza opressores e tiranos; e os ministros do Evangelho, manchados na carnificina e as mãos ainda sangrentas, ousavam oferecer aos olhos do povo um Deus de misericórdia e de paz.

VI. DA PRISÃO

OUTORGA-SE, aos magistrados encarregados de fazer as leis, um direito contrário ao fim da sociedade, que é a segurança pessoal; refiro-me ao direito de prender os cidadãos, de tirar a liberdade ao inimigo sob pretextos frívolos, e, por conseguinte de deixar livres os que eles protegem, mau grado todos os indícios do delito.
Como se tornou tão comum um erro tão funesto? Embora a prisão difira das outras penas, por dever necessariamente preceder a declaração jurídica do delito, nem por isto deixa de ter, como todos os outros gêneros de castigos, o caráter essencial de que só a lei deve determinar o caso em que é preciso empregá-la.
Assim, a lei deve estabelecer, de maneira fixa, por que indícios de delito um acusado pode ser preso e submetido a interrogatório.
O clamor público, a fuga, as confissões particulares, o depoimento de um cúmplice do crime, as ameaças que o acusado pode fazer, seu ódio inveterado ao ofendido, um corpo de delito existente, e outras presunções semelhantes, bastam para permitir a prisão de um cidadão. Tais indícios devem, ser especificados de maneira estável pela lei, e não pelo juiz, cujas sentenças se tornam um atentado à liberdade pública, quando não são simplesmente a aplicação particular de uma máxima geral emanada do código das leis.
À medida que as penas forem mais brandas, quando as prisões já não forem a horrível mansão do desespero e da fome, quando a piedade e a humanidade penetrarem nas masmorras, quando enfim os executores dos rigores da justiça abrirem os corações à compaixão, as leis poderão contentar-se com indícios mais fracos para ordenar a prisão.
A prisão não deveria deixar nenhuma nota de infâmia sobre o acusado cuja inocência foi juridicamente reconhecida. Entre os romanos, quantos cidadãos não vemos, acusados anteriormente de crimes hediondos, mas em seguida reconhecidos inocentes, receberem da veneração do povo os primeiros cargos do Estado? Porque é tão diferente, em nossos dias, a sorte de um inocente preso?
É porque o sistema atual da jurisprudência criminal apresenta aos nossos espíritos a ideia da força e do poder, em lugar da justiça; é porque se lançam, na mesma masmorra, o inocente suspeito e o criminoso convicto; é porque a prisão, entre nós, é antes um suplício que um meio de deter um acusado; é porque, finalmente, as forças que defendem o trono e os direitos da nação estão separadas das que mantêm as leis no interior, quando deveriam estar estreitamente unidas.
Mas, como as leis e os costumes de um povo estão sempre atrasados de vários séculos em relação às luzes atuais, conservamos ainda a barbárie e as ideias dos caçadores do norte, nossos selvagens antepassados.
Os nossos costumes e as nossas leis retardatárias estão longe das luzes dos povos. Ainda estamos dominados pelos preconceitos bárbaros que nos legaram os nossos avós, os bárbaros caçadores do norte.

VII. DOS INDÍCIOS DO DELITO E DA FORMA DOS JULGAMENTOS

EIS um teorema geral, que pode ser muito útil para calcular a certeza de um fato e, principalmente, o valor dos indícios de um delito: Quando as provas de um fato se apoiam todas entre si, quando os indícios do delito não se sustentam senão uns pelos outros, quando a força de várias provas depende da verdade de uma só, o número dessas provas nada acrescenta nem subtrai à probabilidade do fato: merecem pouca consideração, porque, destruindo a única prova que parece certa, derrubais todas as outras.
Mas, quando as provas são independentes, quando cada indício se prova à parte, quanto mais numerosos forem esses indícios, tanto mais provável será o delito, porque a falsidade de uma prova em nada influi sobre a certeza das restantes.
As provas de um delito podem distinguir-se em provas perfeitas e provas imperfeitas.
As provas perfeitas são as que demonstram positivamente que é impossível que o acusado seja inocente. As provas são imperfeitas quando não excluem a possibilidade da inocência do acusado.
Uma única prova perfeita é suficiente para autorizar a condenação; se quiser, porém, condenar sobre provas imperfeitas, como cada uma dessas provas não estabelece a impossibilidade da inocência do acusado, é preciso que sejam em número muito grande para valerem uma prova perfeita, para provarem todas juntas que é impossível que o acusado não seja culpado.
É, mais fácil sentir essa certeza moral de um delito do que defini-la exatamente.
Eis o que me faz encarar como sábia a lei que, em algumas nações, dá ao juiz principal, assessores que o magistrado não escolheu, mas que a sorte designou livremente; porque então a ignorância, que julga por sentimento, está menos sujeita ao erro do que homem instruído que decide segundo a incerta opinião.
Quando as leis são claras e precisas, o dever do juiz limita-se à constatação do fato. Se são necessárias destreza e habilidade na investigação das provas de um delito, se requerem clareza e precisão na maneira de apresentar o seu resultado, para julgar segundo esse mesmo resultado, basta o simples bom-senso: guia menos enganador do que todo o saber de um juiz acostumado a só procurar culpados por toda parte e levar tudo ao sistema que adotou segundo os seus estudos.
Felizes as nações entre as quais o conhecimento das leis não é uma ciência.
Lei sábia e cujos efeitos são sempre felizes é a que prescreve que cada um seja julgado por seus iguais; porque, quando se trata da fortuna e da liberdade de um cidadão, todos os sentimentos inspirados pela desigualdade devem silenciar. O desprezo com o qual o homem poderoso olha para a vitima do infortúnio, e a indignação que experimenta o homem de condição medíocre ao ver o culpado que está acima dele por sua condição, são sentimentos perigosos que não existem nos julgamentos de que falo.
Quando o culpado e o ofendido estão em condições desiguais, os juízes devem ser escolhidos, metade entre os iguais do acusado e metade entre os do ofendido, para contrabalançar assim os interesses pessoais, que modificam, as aparências dos objetos, e para só deixar falar a verdade e as leis.
Igualmente justo é que o culpado possa recusar um certo número dos juízes que lhe forem suspeitos, e, se o acusado gozar constantemente desse direito, exercê-lo-á com reserva; porque de outro modo pareceria condenar-se a si mesmo.
Sejam públicos os julgamentos; sejam-no também as provas do crime: e a opinião, que é talvez o único laço das sociedades, porá freio à violência e às paixões. O povo dirá: Não somos escravos, mas protegidos pelas leis. Esse sentimento de segurança, que inspira a coragem, equivale a um tributo para o soberano que compreende os seus verdadeiros interesses.

VIII. DAS TESTEMUNHAS

É IMPORTANTE, determinar o grau de confiança que se deve dar às testemunhas e a natureza das provas necessárias para constatar o delito.
Por motivos frívolos e absurdos as leis não admitem em testemunho nem as mulheres, por causa de sua franqueza, nem os condenados, porque estes morreram civilmente, nem as pessoas com nota de infâmia, porque, em todos esses casos, uma testemunha pode dizer a verdade, quando não tem nenhum interesse em mentir.
Entre os abusos de palavras que tiveram certa influência sobre os negócios deste mundo, um dos mais notáveis é o que faz considerar como nulo o depoimento de um culpado já condenado.
É preciso que os depoimentos de um culpado já condenado não possam
retardar o curso da justiça; mas porque, após a sentença, não conceder aos interesses da verdade e à terrível situação do culpado alguns instantes ainda, para justificar, se possível, ou aos seus cúmplices ou a si próprio, com depoimentos novos que mudam a natureza do fato?
As formalidades e criteriosas procrastinações são necessárias nos processos criminais, ou porque não deixam nada à arbitrariedade do juiz, ou porque fazem compreender ao povo que os julgamentos são feitos com solenidade e segundo as regras, e não precipitadamente ditados polo interesse; ou, finalmente, porque a maior parte dos homens, escravos do hábito, e mais inclinados a sentir do que raciocinar, fazem assim uma ideia mais augusta das funções do magistrado.
A verdade, tem necessidade de certa pompa exterior para merecer o respeito do povo.
As formalidades, devem ser fixadas, por leis, nos limites em que não possam prejudicar a verdade.
Disse eu que se podia admitir em testemunho toda pessoa que não tem nenhum interesse em mentir. Deve, conceder-se à testemunha mais ou menos confiança, à proporções do ódio ou da amizade que ela tem ao acusado e de outras relações mais ou menos estreitas que ambos mantenham.
Uma só testemunha não basta porque, negando o acusado o que a testemunha afirma, não há nada de certo e a justiça deve então respeitar o direito que cada um tem de ser julgado inocente.
Deve dar-se às testemunhas um crédito tanto mais circunspecto quanto mais atrozes são os crimes e mais inverossímeis as circunstâncias. Tais são, as acusações de magia e as ações gratuitamente cruéis. No primeiro caso, é melhor acreditar que as testemunhas mentem, porque é mais comum ver vários homens caluniarem de concerto, por ódio ou por ignorância, do que ver um só homem exercer um poder que Deus recusou a todo ser criado.
Da mesma forma, não se deve admitir com precipitação a acusação de uma crueldade sem motivos, porque o homem só é cruel por interesse, por ódio ou por temor. O coração humano é incapaz de um sentimento inútil; todos os seus sentimentos são o resultado das impressões que os objetos causaram sobre os sentidos.
Deve, dar-se menos crédito a um homem que é membro de uma ordem, ou de uma casta, ou de uma sociedade particular, cujos costumes e máximas são em geral desconhecidos, ou diferem dos usos comuns, porque, além de suas próprias paixões, esse homem tem ainda as paixões da sociedade da qual faz parte.
Enfim, os depoimentos das testemunhas devem ser quase nulos, quando se trata de algumas palavras das quais se quer fazer um crime; porque o tom, os gestos e tudo o que precede ou segue as diferentes ideias que os homens ligam a suas palavras, alteram e modificam de tal modo os discursos que é quase impossível repeti-los com exatidão.
As ações violentas, que constituem os delitos, deixam traços na maioria das circunstâncias que as acompanham e efeitos que das mesmas derivam; mas, as palavras não deixam vestígio e só subsistem na memória, quase sempre infiel e muitas vezes influenciadas, dos que as ouviram.
É, infinitamente mais fácil fundar uma calúnia sobre discursos do que sobre ações, pois o número das circunstâncias que se alegam para provar as ações fornece ao acusado mais recursos para justificar-se; ao passo que um delito de palavras não apresenta, nenhum meio de justificação.

IX. DAS ACUSAÇÕES SECRETAS

            As acusações secretas são um abuso manifesto, mas consagrado e tornado necessário em vários governos, pela fraqueza de sua constituição. Tal uso torna os homens falsos e pérfidos. Aquele que suspeita um delator no seu concidadão vê nele logo um inimigo.
Costumam, mascarar-se os próprios sentimentos; e o hábito de ocultá-los a outrem faz que cedo sejam dissimulados a si mesmo.
Quem poderá defender-se da calúnia, quando esta se arma com o escudo mais sólido da tirania: o sigilo?...
Quais são, os motivos sobre os quais se apoiam os que justificam as acusações e as penas secretas? A tranquilidade pública? A segurança e a manutenção da forma de governo?
É mister confessar que estranha constituição é aquela em que o governo, que tem por si a força e a opinião, ainda mais poderosa do que a força, parece todavia temer cada cidadão!
Receia-se que o acusador não esteja em segurança? As leis são,  insuficientes para defendê-lo, e os súditos são mais poderosos do que o soberano e as leis.
Desejar-se-ia salvar o delator da infâmia a que se expõe? Seria, então, confessar que se autorizam as calúnias secretas, mas que se punem as calúnias públicas.
Já o disse Montesquieu: as acusações públicas são conformes ao espírito do governo republicano, no qual o zelo do bem geral deve ser a primeira paixão dos cidadãos. Nas monarquias, em que o amor da pátria é muito fraco, é sábia a instituição de magistrados encarregados de acusar, em nome do público, os infratores das leis. Mas, todo governo, republicano ou monárquico, deve infligir ao caluniador a pena que o acusado sofreu, se ele for culpado.

X. DOS INTERROGATÓRIOS SUGESTIVOS

NOSSAS leis proíbem os interrogatórios sugestivos, os que se fazem sobre o fato mesmo do delito; porque, segundo os nossos jurisconsultos, só se deve interrogar sobre a maneira pela qual o crime foi cometido e sobre as circunstâncias que o acompanham.
Um juiz não pode, permitir as questões diretas, que sugiram ao acusado uma resposta imediata. O juiz que interroga, só deve ir ao fato indiretamente, e nunca em linha reta.
Se estabeleceu esse método para evitar sugerir ao acusado uma resposta que o salve, ou por que foi considerada coisa monstruosa e contra a natureza um homem acusar-se a si mesmo, qualquer que tenha sido o fim visado com a proibição dos interrogatórios sugestivos, fez-se cair as leis numa contradição notória, pois que ao mesmo tempo se autorizou a tortura.
Haverá, interrogatório mais sugestivo do que a dor? A questão arranca ao homem fraco uma confissão pela qual ele se livra da dor presente, que o afeta mais fortemente do que todos os males futuros.
E, se um interrogatório é contrário à natureza, obrigando o acusado a acusar-se a si mesmo, não será ele constrangido a isso mais violentamente pelos tormentos e as convulsões da dor? Os homens, se ocupam muito mais, em sua norma de conduta, com a diferença das palavras do que com a das coisas.
Observemos, que aquele que se obstina a não responder ao interrogatório a que é submetido merece sofrer uma pena que deve ser fixada pelas leis.
Essa pena deve ser muito pesada; porque o silêncio de um criminoso, perante o juiz que o interroga, é para a sociedade um escândalo e a justiça uma ofensa que cumpre prevenir tanto quanto possível.
Mas, essa pena particular já não é necessária quando o crime já foi constatado e o criminoso convencido, pois nesse caso o interrogatório se torna inútil.
As confissões do acusado não são necessárias quando provas suficientes demonstraram que ele é culpado do crime de que se trata.
Este último caso é o mais ordinário; e a experiência mostra que, na maior parte dos processos criminais, os culpados negam tudo.

XI. DOS JURAMENTOS

OUTRA contradição entre as leis e os sentimentos naturais é exigir de um acusado o juramento de dizer a verdade, quando ele tem o maior interesse em calá-la. Como se o homem pudesse jurar de boa fé que vai contribuir para sua própria destruição!
Consulte-se a experiência e se reconhecerá que os juramentos são inúteis, pois não há juiz que não convenha que jamais o juramento faz o acusado dizer a verdade.

XII. DA QUESTÃO OU TORTURA

É uma barbaria consagrada pelo uso na maioria dos governos aplicar a tortura a um acusado enquanto se faz o processo, quer para arrancar dele a confissão do crime, quer para esclarecer as contradições em que caiu, quer para descobrir os cúmplices ou outros crimes de que não é acusado, mas do qual poderia ser culpado.
Um homem não pode ser considerado culpado antes da sentença do juiz; e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública depois que ele se convenceu de ter violado as condições com as quais estivera de acordo. O direito da força só pode, autorizar um juiz a infligir uma pena a um cidadão quando ainda se duvida se ele é inocente ou culpado.
Eis uma proposição simples: ou o delito é certo, ou é incerto. Se é certo, só deve ser punido com a pena fixada pela lei, e a tortura é inútil, pois já não se tem necessidade das confissões do acusado. Se o delito é incerto, não é hediondo atormentar um inocente? Com efeito, perante as leis, é inocente aquele cujo delito não se provou. 
Mas, que se deve pensar das torturas, esses suplícios secretos que a tirania emprega na obscuridade das prisões e que se reservam tanto ao inocente como ao culpado?
Importa que nenhum delito conhecido fique impune; mas, nem sempre é útil descobrir o autor de um delito encoberto nas trevas da incerteza.
Um crime já cometido, para o qual já não há remédio, só pode ser punido pela sociedade para impedir que os outros homens cometam outros semelhantes pela esperança da impunidade.
Se é verdade que a maioria dos homens respeita as leis pelo temor ou pela virtude, se é provável que um cidadão prefira segui-las a violá-las, o juiz que ordena a tortura expõe-se constantemente a atormentar inocentes.
É monstruoso e absurdo exigir que um homem seja acusador de si mesmo, e procurar fazer nascer a verdade pelos tormentos, como se essa verdade residisse nos músculos e nas fibras do infeliz!
A única diferença existente entre a tortura e as provas de fogo é que a tortura só prova o crime quando o acusado quer confessar, ao passo que as provas queimantes deixavam uma marca exterior, considerada como prova do crime.
Essa diferença é mais aparente do que real. O acusado é tão capaz de não confessar o que se exige dele quanto o era outrora de impedir, sem fraude, os efeitos do fogo e da água fervendo.
Todos os atos da nossa vontade são proporcionais à força das impressões sensíveis que os causam, e a sensibilidade de todo homem é limitada. Se a impressão da dor se torna muito forte para ocupar todo o poder da alma, ela não deixa a quem a sofre nenhuma outra atividade que exercer senão tomar, a via mais curta para evitar os tormentos atuais.
Dessa forma, o acusado já não pode deixar de responder, pois não poderia escapar às impressões do fogo e da água.
O inocente exclamará, que é culpado, para fazer cessar torturas que já não pode suportar; e o mesmo meio empregado para distinguir o inocente do criminoso fará desaparecer toda diferença entre ambos.
A tortura é muitas vezes um meio seguro de condenar o inocente fraco e de absolver o celerado robusto. É esse,  o resultado terrível dessa barbárie que se julga capaz de produzir a verdade, desse uso digno dos canibais, e que os romanos, reservavam exclusivamente aos escravos, vítimas infelizes de um povo cuja feroz virtude tanto se tem gabado.
De dois homens, igualmente inocentes ou igualmente culpados, aquele que for mais corajoso e mais robusto será absolvido; o mais fraco, porém, será condenado em virtude deste raciocínio: “Eu, juiz, preciso encontrar um culpado. Tu, que és vigoroso, soubeste resistir à dor, e por isso eu te absolvo. Tu, que és fraco, cedeste à força dos tormentos; portanto, eu te condeno. Sei que uma confissão arrancada pela violência da tortura não tem valor algum; mais, se não confirmares agora o que confessaste, far-te-ei atormentar de novo”.
Interrogam um acusado para conhecer a verdade; mas, se tão dificilmente a distinguem no ar, nos gestos e na fisionomia de um homem tranquilo, como a descobrirão nos traços descompostos pelas convulsões da dor, quando todos os sinais, que traem às vezes a verdade na fronte dos culpados, estiverem alterados e confundidos?
Toda ação violenta faz desaparecer as diferenças dos movimentos pelos quais se distingue, às vezes, a verdade da mentira.
Resulta ainda do uso das torturas uma consequência bastante notável: é que o inocente se acha numa posição pior que a do culpado. O inocente submetido à questão tem tudo contra si: ou será condenado, se confessar o crime que não cometeu, ou será absolvido, mas depois de sofrer tormentos que não mereceu.
O culpado, ao contrário, tem por si um conjunto favorável: será absolvido se suportar a tortura com firmeza, e evitará os suplícios de que foi ameaçado, sofrendo uma pena muito mais leve. Assim, o inocente tem tudo que perder, o culpado só pode ganhar.
Essas verdades são sentidas, pelos próprios legisladores; mas, nem por isso suprimiram a tortura. Limitam-se a achar que as confissões do acusado pelos tormentos são nulas se não forem em seguida confirmadas pelo juramento. Se, porém, recusar-se a confirmá-las, será torturado de novo.
Em alguns países, essas violências não são permitidas mais do que três vezes; em outros, o direito de torturar fica inteiramente à discrição do juiz.
São inumeráveis  os exemplos de inocentes que se confessaram culpados no meio de torturas.
Um dos motivos, pelo qual se submete à questão um homem que se supõe culpado, é a esperança de esclarecer as contradições em que ele caiu nos interrogatórios que o fizeram sofrer. Mas, o medo do suplício, a incerteza do julgamento que vai ser pronunciado, a solenidade dos processos, a majestade do juiz, a própria ignorância, igualmente comum à maior parte dos acusados inocentes ou culpados, são outras tantas razões para fazer cair em contradição, não só a inocência que treme como o crime que procura ocultar-se.
E submeter um acusado à tortura, para descobrir se ele é culpado de outros crimes além daquele de que é acusado, é fazer este odioso raciocínio: “Tu és culpado de um delito; é, pois, possível que tenhas cometido cem outros. Em verdade, abusos tão ridículos não deveriam ser tolerados no século XVIII.
A solidez dos princípios que expusemos era conhecida dos legisladores romanos, que só submetiam à tortura os escravos, espécie de homens sem direito algum e sem nenhuma parte nas vantagens da sociedade civil. Esses princípios foram adotados na Inglaterra, nação que prova a excelência de suas leis pelos seus progressos nas ciências, pela superioridade do seu comércio, pela extensão de suas riquezas, por seu poder e por frequentes exemplos de coragem e de virtude política.
A Suécia, igualmente convencida da injustiça da tortura, já não permite o seu uso. Esse infame costume foi abolido por um dos mais sábios monarcas da Europa, que elevou a filosofia ao trono e que, amigo dos súditos, os tornou iguais e livres sob a dependência das leis; única liberdade que homens razoáveis podem esperar da sociedade; única igualdade que esta pode admitir.
Enfim, as leis militares não admitiram a tortura; e, se esta pudesse existir em alguma parte, seria sem dúvida nos exércitos, compostos em grande parte da escória das nações.

XIII. DA DURAÇÃO DO PROCESSO E DA PRESCRIÇÃO

QUANDO o delito é constatado e as provas são certas, é justo conceder ao acusado o tempo e os meios de justificar-se; é preciso que esse tempo seja  curto para não retardar o castigo que deve seguir o crime.
Cabe às leis fixar o espaço de tempo que se deve empregar para a investigação das provas do delito, e o que se deve conceder ao acusado para sua defesa.
Quando se trata de crimes atrozes cuja memória subsiste por muito tempo, se os mesmos forem provados, não deve haver nenhuma prescrição em favor do criminoso que se subtrai ao castigo pela fuga. Não é esse, o caso dos delitos ignorados e pouco consideráveis: é mister fixar um tempo após o qual o acusado, punido pelo exílio voluntário, possa reaparecer sem recear novos castigos.
A obscuridade que envolveu por muito tempo o delito diminui muito a necessidade do exemplo, e permite devolver ao cidadão sua condição e seus direitos com o poder de torná-lo melhor. 
O tempo que se emprega na investigação das provas e o que fixa a prescrição não devem ser prolongados em razão da gravidade do crime que se persegue, porque, enquanto um crime não está provado, quanto mais atroz, menos verossímil é ele. Será preciso, reduzir o tempo dos processos e aumentar o que se exige para a prescrição.
Podemos aplicar penas iguais para crimes diferentes, considerando como partes do castigo o exílio voluntário ou a prisão que precedeu a sentença.
Podem distinguir-se duas espécies de delitos. A primeira é a dos crimes atrozes, que começa pelo homicídio e que compreende toda a progressão dos mais horríveis assassínios. Incluiremos na segunda espécie os delitos menos hediondos do que o homicídio.
Essa distinção é tirada da natureza. A segurança das pessoas é um direito natural; a segurança dos bens é um direito da sociedade.  
Se quiser estabelecer regras de probabilidade para essas duas espécies de delitos, é preciso colocá-las sobre bases diferentes. Nos grandes crimes, pela razão mesma de que são mais raros, deve diminuir-se a duração da instrução e do processo, porque a inocência do acusado é mais provável do que o crime. Deve-se, porém, prolongar o tempo da prescrição.
Por esse meio, que acelera a sentença definitiva, tira-se aos maus a esperança de uma impunidade tanto mais perigosa quanto maiores são os crimes.
Ao contrário, nos delitos menos consideráveis e mais comuns, é preciso prolongar o tempo dos processos, porque a inocência do acusado é menos provável, e diminuir o tempo fixado para a prescrição, porque a impunidade é menos perigosa.
É preciso notar que, essa diferença de processo entre as duas espécies de delitos pode dar ao criminoso a esperança da impunidade. Um acusado solto por falta de provas não é nem absolvido nem condenado; e pode ser preso de novo pelo mesmo crime e submetido a novo exame, se descobrirem novos indícios do seu delito antes de terminar o tempo fixado para a prescrição, segundo o crime cometido.
Cometem-se na sociedade certos crimes que são ao mesmo tempo comuns e difíceis de constatar. Desde então, pois é quase impossível provar tais crimes, a inocência é provável perante a lei. E, como a esperança da impunidade contribui pouco para multiplicar essas espécies de delitos, que têm todos causas diferentes, a impunidade raramente é perigosa. Nesse caso, podem,  diminuir-se igualmente o tempo dos processos e o da prescrição.
Mas, é principalmente para os crimes difíceis de provar, como o adultério, a pederastia, que se admitem arbitrariamente as presunções, as conjecturas, as semiprovas, como se um homem pudesse ser semi-inocente ou semiculpado, e merecer ser semi-absolvido ou semipunido!
É nesse gênero de delitos que se exercem as crueldades da tortura sobre o acusado, sobre as testemunhas, sobre a família inteira do infeliz de quem se suspeita.
Quando refletimos sobre essas coisas, reconhecemos com amargura que a razão quase nunca tem sido consultada nas leis que se deram aos povos. Os crimes hediondos, os delitos obscuros e quiméricos, e os  inverossímeis, são os que se consideram constatados sobre simples conjecturas e indícios menos sólidos e mais equívocos. Dizer-se ia que as leis e o magistrado só têm interesse em descobrir um crime, e não em procurar a verdade; e que o legislador não vê que se expõe constantemente ao risco de condenar um inocente, pronunciando-se sobre crimes inverossímeis ou mal provados.

XIV. DOS CRIMES COMEÇADOS; DOS CÚMPLICES; DA IMPUNIDADE

SE as leis não podem punir a intenção, uma ação que seja o começo de um delito e que prova a vontade de cometê-lo, merece um castigo, mas menor  do que o que seria aplicado se o crime tivesse sido cometido.
Esse castigo é necessário, porque é importante prevenir mesmo as primeiras tentativas dos crimes. Mas, como pode haver um intervalo entre a tentativa de um delito e a sua execução, é justo reservar uma pena maior ao crime consumado, para deixar àquele que apenas começou o crime alguns motivos que o impeçam de acabá-lo.
Deve seguir-se a mesma gradação nas penas, em relação aos cúmplices, se estes não foram todos executantes imediatos.
Quando vários homens se unem para enfrentar um perigo, quanto maior é o perigo, tanto mais procurarão torná-lo igual para todos. Se as leis punissem mais severamente os executantes do crime do que os simples cúmplices, seria mais difícil aos que meditam um atentado encontrar entre eles um homem que quisesse executá-lo, porque o risco seria maior, em virtude da diferença das penas. Há, contudo, um caso em que a gente deve afastar-se da regra que formulamos, e é quando o executante do crime recebeu dos cúmplices uma recompensa particular; como a diferença do risco foi compensada pela diferença das vantagens, o castigo deve ser igual.
É importante que as leis deixem aos cúmplices da má ação o mínimo de meios possível para que se ponham de acordo.
Alguns tribunais oferecem a impunidade ao cúmplice de um crime que trair os seus companheiros. Isso apresenta vantagens; mas, não está isento de perigos, já que a sociedade autoriza a traição, que repugna aos próprios celerados. Ela introduz os crimes de covardia, bem mais funestos do que os crimes de energia e de coragem, porque a coragem é pouco comum e espera apenas uma força benfazeja que a dirija para o bem público, ao passo que a covardia, é um contágio que infecta rapidamente todas as almas.
O tribunal que emprega a impunidade para conhecer um crime mostra que se pode encobrir esse crime, pois que ele não o conhece; e as leis descobrem lhe a fraqueza, implorando o socorro do próprio celerado que as violou.
Por outro lado, a esperança da impunidade, para o cúmplice que trai, pode prevenir grandes crimes e reanimar o povo, sempre apavorado quando vê crimes cometidos sem conhecer os culpados.
Esse uso mostra aos cidadãos que aquele que infringe as leis, as convenções públicas, já não é fiel às convenções particulares.
Uma lei geral, que promete a impunidade a todo cúmplice que revela um crime, seria preferível a uma declaração especial num caso particular: preveniria a união dos maus, pelo temor recíproco que inspiraria a cada um de se expor sozinho aos perigos; e os tribunais já não veriam os celerados encorajados pela ideia de que há casos em que se pode ter necessidade deles.
De resto, seria preciso acrescentar aos dispositivos dessa lei que a impunidade traria consigo o banimento do delator.

XV. DA MODERAÇÃO DAS PENAS

As verdades expostas demonstram à evidência que o fim das penas não pode ser atormentar um ser sensível, nem fazer que um crime não cometido seja cometido.
Os castigos têm por fim impedir o culpado de ser nocivo futuramente à sociedade e desviar seus concidadãos da senda do crime.
Entre as penas, e na maneira de aplicá-las aos delitos, devemos escolher os meios que causem a impressão mais eficaz e mais durável, e, ao mesmo tempo, menos cruel no corpo do culpado.
Quanto mais atrozes forem os castigos, tanto mais audacioso será o culpado para evita-los. Acumulará os crimes, para subtrair-se à pena merecida pelo primeiro.
Para que o castigo produza o efeito que dele se deve esperar, basta que o mal que causa ultrapasse o bem que o culpado retirou do crime. Devem contar-se ainda como parte do castigo os terrores que precedem a execução e a perda das vantagens que o crime devia produzir. Toda severidade que ultrapasse os limites se torna supérflua e, por isso, tirânica.
Os males que os homens conhecem por funesta experiência regularão melhor a sua conduta do que aqueles que eles ignoram. Suponde duas nações entre aquelas em que as penas são proporcionais aos delitos. Sendo a escravidão perpétua o maior castigo em uma, e o suplício o maior em outra, é certo que essas duas penas inspirarão em cada uma igual terror.
A crueldade das penas produz ainda dois resultados, contrários ao fim do seu estabelecimento, que é prevenir o crime.
Em primeiro lugar, é muito difícil estabelecer uma justa proporção entre os delitos e as penas; porque, embora uma crueldade tenha multiplicado as espécies de tormentos, nenhum suplício pode ultrapassar o último grau da força humana, limitada pela sensibilidade e a organização do corpo do homem. Além desses limites, se surgirem crimes mais hediondos, onde se encontrarão penas bastante cruéis?
Em segundo lugar, os suplícios mais horríveis podem acarretar às vezes a impunidade. Se as leis são cruéis, ou logo serão modificadas, ou não mais poderão vigorar e deixarão o crime impune.

XVI. DA PENA DE MORTE
Ante o espetáculo dessa profusão de suplícios que jamais tornaram os homens melhores, devemos analisar se a pena de morte é verdadeiramente útil e se é justa num governo sábio.
Quem poderia ter dado a homens o direito de degolar seus semelhantes? Esse direito não tem certamente a mesma origem que as leis que protegem.
A soberania e as leis não são mais do que a soma das pequenas porções de liberdade que cada um cedeu à sociedade. Representam a vontade geral, resultado da união das vontades particulares. Mas, quem já pensou em dar a outros homens o direito de tirar-lhe a vida? Será o caso de supor que, no sacrifício que faz de uma pequena parte de sua liberdade, tenha cada indivíduo querido arriscar a própria existência, o mais precioso de todos os bens?
Se assim fosse, como conciliar esse princípio com a máxima que proíbe o suicídio? Ou o homem tem o direito de se matar, ou não pode ceder esse direito a outrem nem à sociedade inteira.
A pena de morte não se apoia, assim, em nenhum direito. É uma guerra declarada a um cidadão pela nação, que julga a destruição desse cidadão necessária ou útil.
A morte de um cidadão só pode ser encarada como necessária por dois motivos: nos momentos de confusão em que uma nação fica na alternativa de recuperar ou de perder sua liberdade, em que as leis são substituídas pela desordem, e quando um cidadão, embora privado de sua liberdade, pode ainda, por suas relações e seu crédito, atentar contra a segurança pública, podendo sua existência produzir uma revolução perigosa no governo estabelecido.
Mas, sob o reino tranquilo das leis, sob uma forma de governo aprovada pela nação inteira, num Estado bem defendido no exterior e sustentado no interior pela força e pela opinião talvez mais poderosa do que a própria força, num país em que a autoridade é exercida pelo próprio soberano, em que as riquezas só podem, proporcionar prazeres e não poder, não pode haver nenhuma necessidade de tirar a vida a um cidadão, a menos que a morte seja o único freio capaz de impedir novos crimes.
A experiência de todos os séculos prova que a pena de morte nunca deteve celerados a fazer mal. Essa verdade se apoia no exemplo dos romanos e nos vinte anos do reinado da imperatriz da Rússia, a benfeitora Izabel, que deu aos chefes dos povos uma lição mais ilustre do que todas as brilhantes conquistas que a pátria só alcança ao preço do sangue dos seus filhos.
O rigor do castigo causa menos efeito sobre o espírito humano do que a duração da pena, porque a nossa sensibilidade é mais fácil e mais constantemente afetada por uma impressão ligeira, mas frequente, do que por um abalo violento, mas passageiro. Todo ser sensível está submetido ao império do hábito; e, como é este que ensina o homem a falar, a andar, a satisfazer suas necessidades, é também ele que grava no coração do homem as ideias de moral por impressões repetidas.
O espetáculo atroz, mas momentâneo, da morte de um celerado é para o crime um freio menos poderoso do que o longo e contínuo exemplo de um homem privado de sua liberdade, tornado até certo ponto uma besta de carga e que repara com trabalhos penosos o dano que causou à sociedade. Essa ideia terrível assombraria mais fortemente os espíritos do que o medo da morte, que se vê apenas um instante numa obscura distância que lhe enfraquece o horror.
A impressão produzida pela visão dos suplícios não pode resistir à ação do tempo e das paixões. Para a maioria dos que assistem à execução de um criminoso, o suplício deste é apenas um espetáculo; para a minoria, é um objeto de piedade mesclado de indignação. Esses dois sentimentos ocupam a alma do espectador, bem mais do que o terror salutar que é o fim da pena de morte. Mas, as penas moderadas e contínuas só produzem nos espectadores o sentimento do medo.
No primeiro caso, sucede ao espectador do suplício o mesmo que ao espectador do drama; e, assim como o avaro retorna ao seu cofre, o homem violento e injusto retorna às suas injustiças.
O legislador deve, pôr limites ao rigor das penas, quando o suplício não se torna mais do que um espetáculo e parece ordenado mais para ocupar a força do que para punir o crime.
Para que uma pena seja justa, deve ter apenas o grau de rigor bastante para desviar os homens do crime. Não há homem que possa vacilar entre o crime e o risco de perder para sempre a liberdade.
Assim, a escravidão perpétua, substituindo a pena de morte, tem todo o rigor necessário para afastar do crime o espírito mais determinado.
Numa nação em que a pena de morte é empregada, para cada exemplo que se dá, um novo crime; ao passo que a escravidão perpétua de um único culpado põe sob os olhos do povo um exemplo que subsiste sempre, e se repete.
A escravidão perpétua é uma pena rigorosa e, tão cruel quanto a morte. A vantagem da pena da escravidão para a sociedade é que amedronta mais aquele que a testemunha do que quem a sofre, porque o primeiro considera a soma de todos os momentos infelizes, ao passo que o segundo se alheia de suas penas futuras, pelo sentimento da infelicidade presente.
A imaginação aumenta todos os males. Aquele que sofre encontra em sua alma, endurecida pelo hábito da desgraça, consolações e recursos que as testemunhas dos seus males não conhecem, porque julgam segundo sua sensibilidade do momento.
Talvez venha uma época de dor e de arrependimento, mas essa época será curta; e por um dia de sofrimento, terei gozado vários anos de liberdade e de prazeres.
Se a religião se apresentar então ao espírito desse infeliz, não o intimidará; diminuirá mesmo aos seus olhos o horror do último suplício, oferecendo-lhe a esperança de um arrependimento fácil e da felicidade eterna que é seu fruto. Mas aquele que tem diante dos olhos a vida inteira para passar na escravidão e na dor, exposto ao desprezo dos seus concidadãos, dos quais fora um igual, escravo dessas leis pelas quais era protegido, faz uma comparação útil de todos os males, do êxito incerto do crime e do pouco tempo que terá para gozar.
O exemplo sempre presente dos infelizes que ele vê vítimas da imprudência impressiona-o muito mais do que os suplícios, que podem endurecê-lo, mas não corrigi-lo.
A pena de morte é ainda funesta à sociedade, pelos exemplos de crueldade que dá aos homens.
Não é absurdo que as leis, que são a expressão da vontade geral, que detestam e punem o homicídio, ordenem um morticínio público, para desviar os cidadãos do assassínio?
Quais são as leis mais justas e mais úteis? São as que todos proporiam e desejariam observar, nesses momentos em que o interesse particular se cala ou se identifica com o interesse público.
Qual é o sentimento geral sobre a pena de morte? Está traçado em caracteres indeléveis nesses movimentos de indignação e de desprezo que nos inspira a simples visão do carrasco, que não é contudo senão o executor inocente da vontade pública, um cidadão honesto que contribui para o bem geral e que defende a segurança do Estado no interior, como o soldado, a defende no exterior.
Que se deve pensar ao ver o magistrado e os ministros da justiça fazer
arrastar um culpado à morte, com cerimônia, com tranquilidade, com indiferença? E, enquanto o infeliz espera o golpe fatal, por entre convulsões e angústias, o juiz que acaba de o condenar deixa friamente o tribunal para ir provar em paz as doçuras e os prazeres da vida, e talvez louvar-se, com secreta complacência, pela autoridade queacaba de exercer.
Não será o caso de dizer que essas leis são apenas a máscara da tirania, que essas formalidades cruéis e refletidas da justiça são simplesmente um pretexto para imolar-nos com mais confiança, como vítimas sacrificadas ao despotismo insaciável?
O assassínio, que nos aparece como um crime horrível, nós o vemos cometer friamente e sem remorso. Não poderemos autorizar-nos com esse exemplo? Pintavam-nos a morte violenta como uma cena terrível, e é apenas questão de um momento. Será menos ainda para aquele que tiver coragem de ir ao encontro e de poupar-se desse modo tudo o que ela tem de doloroso.
A história dos homens é um imenso oceano de erros, no qual se vê sobrenadar uma ou outra verdade mal conhecida.
Ainda não chegaram os dias felizes em que a verdade eliminará o erro e se tornará apanágio de maioria, em que o gênero humano não será iluminado somente pelas verdades reveladas.

XVII. DO BANIMENTO E DAS CONFISCAÇÕES

Aquele que perturba a tranquilidade pública, que não obedece às leis, que viola as condições sob as quais os homens se sustentam e se defendem mutuamente, esse deve ser excluído da sociedade, banido.
Parece-me que se poderiam banir aqueles que, acusados de um crime atroz, são suspeitos de culpa com maior verossimilhança, mas sem estar plenamente convencidos do crime.
Em casos semelhantes, seria mister que uma lei, a menos arbitrária e a mais precisa possível, condenasse ao banimento aquele que pusesse a nação na alternativa de fazer uma injustiça ou de temer um acusado. E que essa lei
deixasse ao banido o direito de poder provar sua inocência e recuperar os seus direitos. Enfim, que houvesse razões para banir um cidadão acusado pela primeira vez do que para condenar a essa pena um estrangeiro ou um homem que já tivesse sido chamado à justiça.
Mas, deve aquele que se exclui da sociedade de que fazia parte, ser ao mesmo tempo privado dos seus bens? Essa questão pode ser encarada sob diferentes aspectos.
A perda dos bens é uma pena maior que a do banimento. Deve, haver casos em que, para proporcionar a pena ao crime, se confiscarão todos os bens do banido. Em outras circunstâncias, só será despojado de uma parte de sua fortuna; e, para certos delitos, o banimento não será acompanhado de nenhuma confiscação. O culpado poderá perder os seus bens, se a lei que pronuncia o banimento declara rompidos os laços que o ligavam à sociedade; porque desde então o cidadão está morto, resta somente o homem; e, perante a sociedade, a morte política de um cidadão deve ter as mesmas consequências que a morte natural.
Segundo essa máxima, é evidente que os bens do culpado deveriam reverter para os herdeiros legítimos, e não para o príncipe; não é nisso, porém, que me apoiarei para desaprovar as confiscações.
O uso das confiscações põe a prêmio a cabeça do infeliz sem defesa, e
faz o inocente sofrer os castigos reservados aos culpados. Pior ainda, as confiscações podem fazer do homem de bem um criminoso, pois o levam ao crime, reduzindo-o à indigência e ao desespero.
E, além disso, não há espetáculo mais hediondo que o de uma família inteira coberta de infâmia, mergulhada nos horrores da miséria pelo crime do seu chefe, crime que essa família, submetida à autoridade do culpado, não poderia prevenir, mesmo que tivesse os meios para tanto.

XVIII. DA INFÂMIA

A infâmia é um sinal da improbação pública, que priva o culpado da consideração, da confiança que a sociedade tinha nele e dessa espécie de fraternidade que une os cidadãos de um mesmo país.
Como os efeitos da infâmia não dependem das leis, a vergonha que a lei inflige se baseie na moral, ou na opinião pública. Se se tentasse manchar de infâmia uma ação que a opinião não julga infame, ou a lei deixaria de ser respeitada, ou as ideias aceitas de probidade e de moral desapareceriam.
Declarar infames ações indiferentes em si mesmas, é diminuir a infâmia das que merecem ser designadas desse modo.
Necessário é evitar que se punam com penas corporais e dolorosas certos delitos fundados no orgulho e que fazem dos castigos uma glória. Tal é o fanatismo, que só pode ser reprimido pelo ridículo e pela vergonha.
Se se humilhar à vaidade dos fanáticos perante uma multidão de espectadores, devem esperar-se felizes efeitos dessa pena, pois que a própria verdade tem necessidade dos maiores esforços para se defender, quando é atacada pela arma do ridículo.
As penas infamantes devem ser raras, porque o emprego demasiado frequente do poder da opinião enfraquece a força da própria opinião. A infâmia não deve cair tão pouco sobre um grande número de pessoas ao mesmo tempo, porque a infâmia de um grande número não é mais, em breve, a infâmia de ninguém.

XIX. DA PUBLICIDADE E DA PRESTEZA DAS PENAS

Quanto mais pronta for a pena e mais de perto seguir o delito, tanto mais justa e útil ela será. Mais justa porque poupará ao acusado os cruéis tormentos da incerteza,  tormentos supérfluos, cujo horror aumenta para ele na razão da força de imaginação e do sentimento de fraqueza.
A presteza do julgamento é justa porque, a perda da liberdade sendo já uma pena, esta só deve preceder a condenação na estrita medida que a necessidade o exige.
Se a prisão é apenas um meio de deter um cidadão até que ele seja julgado culpado, como esse meio é aflitivo e cruel, deve-se, tanto quanto possível, suavizar lhe o rigor e a duração. Um cidadão detido só deve ficar na prisão o tempo necessário para a instrução do processo; e os mais antigos detidos têm direito de ser julgados em primeiro lugar.
O acusado não deve ser encerrado senão na medida em que for necessário para o impedir de fugir ou de ocultar as provas do crime. O processo deve ser conduzido sem protelações.
Os efeitos do castigo que se segue ao crime devem ser em geral impressionantes e sensíveis para os que o testemunharam; haverá, porém, necessidade de que esse castigo seja tão cruel para quem o sofre? Quando os homens se reuniram em sociedade, foi para só se sujeitarem aos mínimos males possíveis; e não há país que possa negar esse princípio incontestável.
A presteza da pena é útil; e é certo que, quanto menos tempo decorrer entre o delito e a pena, tanto mais os espíritos ficarão compenetrados da ideia de que não há crimes sem castigo; tanto mais se habituarão a considerar o crime como a causa da qual o castigo é o efeito necessário e inseparável.
É, da maior importância punir prontamente um crime cometido, se se quiser que, a pintura sedutora das vantagens de uma ação criminosa desperte imediatamente a ideia de um castigo inevitável. Uma pena por demais retardada torna menos estreita a união dessas duas ideias: crime e castigo. Se o suplício de um acusado causa então alguma impressão, e somente como espetáculo, pois só se apresenta ao espectador quando o horror do crime, que contribui para fortificar o horror da pena, já está enfraquecido nos espíritos.
Poder-se-ia ainda estreitar mais a ligação das ideias de crime e de castigo, dando à pena toda a conformidade possível com a natureza do delito, a fim de que o receio de um castigo especial afaste o espírito do caminho a que conduzia a perspectiva de um crime vantajoso. É preciso que a ideia do suplício esteja sempre presente no coração do homem fraco e domine o sentimento que o leva ao crime.
Entre vários povos, punem-se os crimes pouco consideráveis com a prisão ou com a escravidão num país distante, isto é, manda-se o culpado levar um exemplo inútil a uma sociedade que ele não ofendeu.
Como os homens não se entregam, aos maiores crimes, a maior parte dos que assistem ao suplício de um celerado, acusado de algum crime monstruoso, não experimentam nenhum sentimento de terror ao verem um castigo que jamais imaginam poder merecer. Ao contrário, a punição pública dos pequenos delitos mais comuns causar-lhe-á na alma uma impressão salutar que os afastará de grandes crimes, desviando-os primeiro dos que o são menos.

XX. QUE O CASTIGO DEVE SER INEVITÁVEL. – DAS GRAÇAS

Não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo.
A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável causará sempre uma forte impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, em relação ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade.
O homem treme à ideia dos menores males, quando vê a impossibilidade de evitá-los; ao passo que a esperança, que tantas vezes nos proporciona todos os bens, afasta sempre a ideia dos tormentos mais cruéis, por pouco que ela seja sustentada pelo exemplo da impunidade, que a fraqueza ou o amor do outro tão frequentemente concede.
Às vezes, a gente se abstém de punir um delito pouco importante, quando o ofendido perdoa. É um ato de benevolência, mas um ato contrário ao bem público. Um particular pode bem não exigir a reparação do mal que se lhe fez; mas, o perdão que ele concede não pode destruir a necessidade do exemplo.
O direito de punir não pertence a nenhum cidadão em particular; pertence às leis, que são o órgão da vontade de todos. Um cidadão ofendido pode renunciar à sua porção desse direito, mas não tem nenhum poder sobre a dos outros.
Quando as penas se tiverem tornado menos cruéis, a demência e o perdão serão menos necessários. Feliz a nação que não mais lhes desse o nome de virtudes! A demência, que se tem visto em alguns soberanos substituir outras qualidades que lhes faltavam para cumprir os deveres do trono, deveria ser banida de uma legislação sábia na qual as penas fossem brandas e a justiça feita com formas prontas e regulares.
Essa verdade parecerá dura apenas aos que vivem submetidos aos abusos de uma jurisprudência criminal que concede a graça e o perdão necessários em razão mesmo da atrocidade das penas e do absurdo das leis.
O direito de conceder graça é sem dúvida a mais bela prerrogativa do trono; é o mais precioso atributo do poder soberano; mas, ao mesmo tempo, é uma improbação tácita das leis existentes. O soberano que se ocupa com a felicidade pública e que julga contribuir para ela exercendo o direito de conceder graça, eleva-se então contra o código criminal, consagrado, mau grado seus vícios, pelos preconceitos antigos, pelo calhamaço impostor dos comentadores, pelo grave aparelho das velhas formalidades, enfim, pelo sufrágio dos semissábios, sempre mais insinuantes e mais escutados do que
os verdadeiros sábios.
Sendo a clemência virtude do legislador e não do executor das leis, devendo manifestar-se no Código e não em julgamentos particulares, se se deixar ver aos homens que o crime pode ser perdoado e que o castigo nem sempre é a sua consequência necessária, nutre-se neles a esperança da impunidade; faz-se com que aceitem os suplícios não como atos de justiça, mas como atos de violência.
Quando o soberano concede graça a um criminoso, não será o caso de dizer que sacrifica a segurança pública à de um particular e que, por um ato de cega benevolência, pronuncia um decreto geral de impunidade?

XXI. DOS ASILOS

Serão justos os asilos? E será útil o uso estabelecido entre as nações de
permutarem entre si os criminosos?
Em toda a extensão de um Estado político, não deve haver nenhum lugar fora da dependência das leis. A força destas deve seguir o cidadão por toda a parte, como a sombra segue o corpo.
Há pouca diferença entre a impunidade e os asilos; e, como o melhor meio de impedir o crime é a perspectiva de um castigo certo e inevitável, os asilos, que representam um abrigo contra a ação das leis, convidam mais ao crime do que as penas o evitam, do momento em que se tem a esperança de evitá-los.
Multiplicar os asilos é formar pequenas soberanias, porque, quando as leis não têm poder, novas potências se formam de ordem comum, estabelece-se um espírito oposto ao do corpo inteiro da sociedade.
Vê-se, na história dos povos, que os asilos foram a fonte de grandes revoluções nos Estados e nas opiniões humanas.
Pretenderam alguns que, cometido um crime num lugar, isto é, um ato contrário às leis, teriam estas em toda parte o direito de punir. Será a qualidade de súdito, nesse caso, um caráter indelével? Será o nome de súdito pior que o de escravo? E admitir-se-á que um homem habite um país e seja submetido às leis de outro país? Que suas ações fiquem ao mesmo tempo subordinadas a dois soberanos e a duas legislações muitas vezes contraditórias?
Ousou-se dizer, que um crime cometido em Constantinopla podia ser punido em Paris, porque aquele que ofende uma sociedade humana merece ter todos os homens por inimigos e deve ser objeto da execração universal.
Um crime só deve ser punido no país onde foi cometido, porque é somente aí, e não em outra parte, que os homens são forçados a reparar, pelo exemplo da pena, os funestos efeitos que o exemplo do crime pode produzir.
Um celerado, cujos crimes precedentes não puderam violar as leis de uma sociedade da qual não era membro, pode bem ser temido e expulso dessa sociedade; mas, as leis não podem infligir-lhe outra pena, pois são feitas somente para punir o mal que lhe é feito, e não o crime que não as ofende.
Será, útil que as nações permutem reciprocamente entre si os criminosos?
Certamente, a persuasão de não encontrar nenhum lugar na terra em que o crime possa ficar impune seria um meio bem eficaz de preveni-lo.
XXII. DO USO DE PÔR A CABEÇA A PRÊMIO

Será vantajoso para a sociedade pôr a prêmio a cabeça de um criminoso, armar cada cidadão de um punhal e fazer assim outros tantos carrascos?
Ou o criminoso saiu do país, ou ainda está nele. No primeiro caso, excitam-se os cidadãos a cometer um assassínio, a atingir talvez um inocente, a merecer suplícios.
Faz-se uma injúria à nação estrangeira, espezinha-se-lhe a autoridade, autoriza-se que se façam semelhantes usurpações entre os próprios vizinhos.
Se o criminoso ainda está no país cujas leis violou, o governo que põe sua cabeça a prêmio revela fraqueza. Quando a gente tem força para defender-se não compra o socorro de outrem.
Além disso, o uso de pôr a prêmio a cabeça de um cidadão anula todas as ideias de moral e de virtude, tão fracas e tão abaladas no espírito humano. De um lado, as leis punem a traição; de outro, autorizam-na. O legislador aperta com uma das mãos os laços de sangue e de amizade, e com a outra recompensa aquele que os quebra. Sempre em contradição consigo mesmo, ora procura espalhar a confiança e animar os que duvidam, ora semeia a desconfiança em todos os corações. Para prevenir um crime, faz nascer cem.
Semelhantes usos só convêm às nações fracas, cujas leis só servem para sustentar por um momento um edifício de ruínas que todo se esboroa.
Mas, à medida que as luzes de uma nação se difundem, a boa fé e a confiança recíproca se tornam necessárias, e a política é, enfim, constrangida a admiti-las. Então, desmancham-se e previnem-se mais facilmente as cabalas, os artifícios, as manobras obscuras e indiretas. Então, também, o interesse geral sai sempre vencedor dos interesses particulares.
Os povos esclarecidos poderiam buscar lições em alguns séculos de ignorância, nos quais a moral particular era sustentada pela moral pública. As nações só serão felizes quando a sã moral estiver estreitamente ligada à política.
Mas, leis que recompensam a traição, que acendem entre os cidadãos uma guerra clandestina, que excitam suspeitas recíprocas, opor-se-ão sempre a essa união tão necessária da política e da moral; união que daria aos homens segurança e paz, que lhes aliviaria a miséria e que traria às nações mais, longos intervalos de repouso e concórdia do que aqueles de que até ao presente gozaram.

XXIII. QUE AS PENAS DEVEM SER PROPORCIONADAS AOS DELITOS

O interesse de todos não é somente que se cometam poucos crimes, mais ainda que os delitos mais funestos à sociedade sejam os mais raros. Os meios que a legislação emprega para impedir os crimes devem, ser mais fortes à medida que o delito é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais comum. Deve, haver uma proporção entre os delitos e as penas.
Se o prazer e a dor são os dois grandes motores dos seres sensíveis; se, entre os motivos que determinam os homens em todas as suas ações, o supremo Legislador colocou como os mais poderosos as recompensas e as penas; se dois crimes que atingem desigualmente a sociedade recebem o mesmo castigo, o homem inclinado ao crime, não tendo que temer uma pena maior para o crime mais monstruoso, decidir-se-á mais facilmente pelo delito que lhe seja mais vantajosos; e a distribuição desigual das penas produzirá a contradição, de que as leis terão de punir os crimes que tiveram feito nascer.
Se se estabelece um mesmo castigo, a pena de morte por exemplo, para quem mata um faisão e para quem mata um homem ou falsifica um escrito importante, em breve não se fará mais nenhuma diferença entre esses delitos.
Seria em vão que se tentaria prevenir todos os abusos que se originam da fermentação contínua das paixões; esses abusos crescem em razão da população e do choque dos interesses particulares, que é impossível dirigir em linha reta para o bem público.
Lançai os olhos sobre a história, e vereis crescerem os abusos à medida que os impérios aumentam. Como o espírito nacional se enfraquece na mesma proporção, o pendor para o crime crescerá em razão da vantagem que cada um descobre no abuso mesmo; e a necessidade de agravar as penas seguirá necessariamente igual progressão.
Supondo-se a necessidade da reunião dos homens em sociedade, mediante convenções estabelecidas pelos interesses opostos de cada particular, achar-se-á uma progressão de crimes, dos quais o maior será aquele que tende à destruição da própria sociedade. Os menores delitos serão as pequenas ofensas feitas aos particulares. Entre esses dois extremos estarão compreendidos todos os atos opostos ao bem público, desde o mais
criminoso até ao menos passível de culpa.
Se os cálculos pudessem aplicar-se a todas as combinações obscuras que fazem os homens agir, seria mister procurar e fixar uma progressão de penas correspondente à progressão dos crimes. O quadro dessas duas progressões seria a medida da liberdade ou da escravidão da humanidade ou da maldade de cada nação.

XXIV. DA MEDIDA DOS DELITOS

A verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade.
Eis uma dessas verdades que, só são conhecidas de um pequeno número de pensadores em todos os países e em todos os séculos cujas leis conhecemos.
A grandeza do crime não depende da intenção de quem o comete, porque a intenção do acusado depende das impressões causadas pelos objetos presentes e das disposições precedentes da alma. Esses sentimentos variam em todos os homens e no mesmo indivíduo, com a rápida sucessão das ideias, das paixões e das circunstâncias.
Se se punisse a intenção, seria preciso ter não só um Código particular para cada cidadão, mas uma nova lei penal para cada crime.
Muitas vezes, com a melhor das intenções, um cidadão faz à sociedade os maiores males, ao passo que outro lhe presta grandes serviços com a vontade de prejudicar.
Outros jurisconsultos medem a gravidade do crime pela dignidade da pessoa ofendida, de preferência ao mal que possa causar à sociedade. Se esse método fosse aceito, uma pequena irreverência para com o Ser supremo mereceria uma pena bem mais severa do que o assassínio de um monarca, pois a superioridade da natureza divina compensaria infinitamente a diferença da ofensa.

XXV. DIVISÃO DOS DELITOS

Há crimes que tendem à destruição da sociedade ou dos que a representam. Outros atingem o cidadão em sua vida, nos seus bens ou em sua honra.
Outros, são atos contrários ao que a lei prescreve ou proíbe, tendo em vista o bem público.
Todo ato não compreendido numa dessas classes não pode ser considerado como crime, nem punido como tal, senão pelos que descobrem nisso o seu interesse particular. O homem de bem está exposto às penas mais severas.
Cada cidadão pode fazer tudo o que não é contrário às leis, sem temer outros inconvenientes além dos que podem resultar de sua ação em si mesma. Esse dogma político deveria ser gravado no espírito dos povos, proclamado pelos magistrados supremos e protegido pelas leis. Sem esse dogma sagrado, toda sociedade legítima não pode subsistir por muito tempo, porque ele é a justa recompensa do sacrifício que os homens fizeram de sua independência e de sua liberdade.
Percorram-se, as leis e a história das nações, e se verão quase sempre os nomes de vício e virtude, de bom e mau cidadão, mudarem de valor segundo o tempo e as circunstâncias. Não são, porém, as reformas operadas no Estado ou nos negócios públicos que causarão essa revolução das ideias; esta será a consequência dos erros e dos interesses passageiros dos diferente legisladores.

XXVI. DOS CRIMES DE LESA MAJESTADE

Os crimes de lesa-majestade foram postos na classe dos grandes crimes, porque são funestos à sociedade. Mas, a tirania e a ignorância, que confundem as palavras e as ideias mais claras, deram esse nome a uma multidão de delitos de natureza inteiramente diversa.
Aplicaram-se as penas mais graves a faltas leves; e, nessa ocasião como em mil outras, o homem é muitas vezes vítima de uma palavra.
Toda espécie de delito é nociva à sociedade; mas, nem todos os delitos tendem imediatamente a destruir. É preciso julgar as ações morais por seus efeitos positivos e ter em conta o tempo e o lugar. Só a arte das interpretações odiosas, que é ordinariamente a ciência dos escravos, pode confundir coisas que a verdade eterna separou por limites imutáveis.

XXVII. DOS ATENTADOS CONTRA A SEGURANÇA DOS PARTICULARES E, PRINCIPALMENTE, DAS VIOLÊNCIAS

Depois dos crimes que atingem a sociedade, ou o soberano que a representa, vêm os atentados contra a segurança dos particulares.
Como essa segurança é o fim de todas as sociedades humanas, não se pode deixar de punir com as penas mais graves aquele que a atinge.
Entre esses crimes, uns são atentados contra a vida, outros contra a honra, e outros contra os bens.
Os atentados contra a vida e a liberdade dos cidadãos estão no número dos grandes crimes. Compreendem-se, não somente os assassínios e os assaltos cometidos por homens do povo, mas, as violências da mesma natureza exercidas pelos grandes e pelos magistrados: crimes tanto mais graves quanto as ações dos homens elevados agem sobre a multidão com muito mais influência e os seus excessos destroem no espírito dos cidadãos as ideias de justiça e de dever, para substituir as do direito do mais forte: direito igualmente perigoso para quem dele abusa e para quem o sofre.
Se os grandes e os ricos podem escapar a preço de dinheiro às penas que merecem os atentados contra a segurança do fraco e do pobre, as riquezas, que, sob a proteção das leis, são a recompensa da indústria, tornar-se-ão alimento da tirania e das iniquidades.
Não mais existe liberdade todas as vezes que as leis permitem que em certas circunstâncias um cidadão deixe de ser um homem para tornar-se uma coisa que se possa pôr a prêmio. Vê-se, a astúcia dos homens poderosos ocupada completamente com o aumento de sua força e dos seus privilégios, aproveitando todas as combinações que a lei lhes torna favoráveis. Eis o mágico segredo que transformou a massa dos cidadãos em bestas de carga; foi assim que os grandes acorrentaram escravos.
É por isso que certos governos, gemem sob uma tirania oculta. É pelos privilégios dos grandes que os usos tirânicos se fortificam insensivelmente, depois de se terem introduzido na constituição, por vias que o legislador negligenciou fechar.
Quais serão, as penas reservadas aos crimes dos nobres, cujos privilégios ocupam tão grande lugar na legislação da maior parte dos povos?
As penas das pessoas de mais alta linhagem devem ser as mesmas que as do último dos cidadãos. A igualdade civil é anterior a todas as distinções de honras, e de riquezas. Se todos os cidadãos não dependerem igualmente das mesmas leis, as distinções deixarão de ser legítimas.
A igualdade perante as leis não destrói as vantagens que os príncipes julgam retirar da nobreza: apenas impede os inconvenientes das distinções e torna as leis respeitáveis, tirando toda esperança de impunidade.
A mesma pena, aplicada contra o nobre e contra o plebeu, torna-se completamente diversa e mais grave para o primeiro, por causa da educação que recebeu, e da infâmia que se espalha sobre uma família ilustre.
O castigo se mede pelo dano causado à sociedade, e não pela sensibilidade do culpado. O exemplo do crime é tanto mais funesto quanto é dado por um cidadão de condição mais elevada.
A igualdade da pena só pode ser exterior, e não pode ser proporcionada ao grau de sensibilidade, que é diferente em cada indivíduo.
Quanto à infâmia que cobre uma família inocente, o soberano pode facilmente apagá-la com demonstrações públicas de benevolência. Sabe-se que tais demonstrações de favor têm foros de razão no povo crédulo e admirador.

XXVIII. DAS INJÚRIAS

As injúrias pessoais, contrárias à honra, devem ser punidas pela infâmia.
Há uma contradição notória entre as leis, ocupadas sobretudo com a proteção da fortuna e da vida de cada cidadão, e as leis do que se chama a honra, que preferem a opinião a tudo.
A palavra honra é uma daquelas sobre as quais se fizeram os mais brilhantes raciocínios, sem ligar-se a nenhuma ideia fixa e precisa.
Apesar de sua simplicidade, discernimos com dificuldade os diversos princípios de moral e julgamos, muitas vezes sem conhecê-los, os sentimentos do coração humano.
Quem observar com alguma atenção a natureza e os homens, não se admirará de todas essas coisas; pensará que, para ser feliz e tranquilo, o homem talvez não tenha necessidade de tantas leis, nem de tão grande aparato moral.
A ideia da honra é uma ideia complexa, formada não somente de várias ideias simples, mas também de várias ideias complexas por si mesma.
As primeiras leis e os primeiros magistrados originaram-se da necessidade de impedir os abusos que teria ocasionado o despotismo natural de todo homem mais robusto do que o vizinho. Foi esse o objeto do estabelecimento das sociedades e essa a base real ou aparente de todas as leis, mesmo as que encerram princípios de destruição.
Mas, a aproximação dos homens e os progressos dos seus conhecimentos fizeram nascer em seguida uma infinidade de necessidades e ligações recíprocas entre os membros da sociedade. Nem todas essas necessidades tinham sido previstas pela lei, e os meios atuais de cada cidadão não lhe bastavam para satisfazê-las. Começou então a estabelecer-se o poder da opinião, por meio da qual podem obter-se certas vantagens que as leis não podiam proporcionar, e evitar males de que elas não podiam preservar.
É a opinião que constitui, o suplício do sábio e do medíocre. É ela que
concede às aparências da virtude o respeito que recusa à própria virtude.
Essa honra, que muita gente prefere à própria existência, só foi conhecida depois que os homens se reuniram em sociedade. O sentimento que nos liga à honra não é outra coisa senão uma volta momentânea ao estado de natureza.onra

XXIX. DOS DUELOS

A necessidade dos sufrágios públicos, deu nascimento aos combates singulares, que só puderam estabelecer-se na desordem das más leis. Se os duelos não estiveram em uso na antiguidade, é que os antigos não se reuniam armados com um ar de desconfiança, nos templos, no teatro e entre os amigos.
Talvez, sendo o duelo um espetáculo muito comum que vis escravos davam ao povo, os homens livres tivessem receio de que os combates singulares não bastassem para que eles fossem considerados homens honrados.
Seja como for, é em vão que se experimentou entre os modernos impedir os duelos com pena de morte. Essas leis severas não puderam destruir um costume fundado numa espécie de honra, mais cara aos homens do que a própria vida. O cidadão que recusa um duelo vê-se presa do desprezo dos seus concidadãos; é forçado a levar uma vida solitária, a renunciar aos encantos da sociedade, ou a expor-se constantemente aos insultos e à vergonha, cujos repetidos golpes o afetam de maneira mais cruel do que a ideia do suplício.
Por que motivo serão os duelos menos frequentes entre os homens do povo do que entre os grandes? É somente porque o povo não traz espada, é porque tem menos necessidade de sufrágios públicos do que os homens de condição mais elevada, que se observam entre si com mais desconfiança e inveja.
O melhor meio de impedir o duelo é punir o agressor, aquele que deu lugar à querela, a declarar inocente aquele que, sem procurar tirar a espada, se viu constrangido a defender a própria honra, a opinião, que as leis não protegem suficientemente, e mostrar aos seus concidadãos que pode respeitar as leis, mas que não teme os homens.

XXX. DO ROUBO

Um roubo cometido sem violência só deveria ser punido com uma pena pecuniária.
É justo que quem rouba o bem de outrem seja despojado do seu. Mas, se o roubo é ordinariamente o crime da miséria e do desespero, se esse delito só é cometido por essa classe de homens infortunados, a quem o direito de propriedade só deixou a existência como único bem, as penas pecuniárias contribuirão simplesmente para multiplicar os roubos, aumentando o número dos indigentes, arrancando o pão a uma família inocente, para dá-lo a um rico
talvez criminoso.
A pena mais natural do roubo será, essa espécie de escravidão, que é a única que se pode chamar justa, a escravidão temporária, que torna a sociedade senhora absoluta da pessoa e do trabalho do culpado, para fazê-lo expiar, por essa dependência, o dano que causou e a violação do pacto social.
Se, o roubo é acompanhado de violência, é justo ajuntar à servidão as penas corporais.
Outros escritores mostraram, os inconvenientes que resultam do uso de aplicar as mesmas penas contra os roubos cometidos com violência e contra
aqueles em que o ladrão só empregou a astúcia. Fez-se ver quanto é absurdo pôr na mesma balança uma certa soma de dinheiro e a vida de um homem. O roubo com violência e o roubo de astúcia são delitos absolutamente diferentes; e a sã política deve admitir, o axioma certo de que entre dois objetos heterogêneos, há uma distância infinita.

XXXI. DO CONTRABANDO

O contrabando é um verdadeiro delito, que ofende o soberano e a nação, mas cuja pena não deveria ser infamante, porque a opinião pública não empresta nenhuma infâmia a essa espécie de delito.
Porque, o contrabando, que é um roubo feito ao príncipe, e por conseguinte à nação, não acarreta a infâmia sobre aquele que o exerce? É que os delitos que os homens não consideram nocivos aos seus interesses não afetam bastante para excitar a indignação pública. Tal é o contrabando. Os homens, sobre os quais as consequências de um ato só produzem impressões fracas, não vêem o dano que o contrabando pode causar-lhes.
Chegam, às vezes, a retirar dele vantagens momentâneas. Não veem senão o mal causado ao príncipe, e, para recusarem estima ao culpado, só têm uma razão premente contra o ladrão, o falsário e alguns outros criminosos que podem prejudicá-los pessoalmente.
Essa maneira de sentir é consequência do princípio incontestável de que todo ser sensível só se interessa pelos males que conhece. O contrabando é um delito gerado pelas próprias leis, porque, quanto mais se aumentam os direitos, tanto maior é a vantagem do contrabando; a tentação de exercê-lo é também tão forte quanto mais fácil é cometer essa espécie de delito, sobretudo se os objetos proibidos são de pequeno volume, e se são interditos numa tão grande circunferência de território que a extensão deste torne difícil guardá-lo.
O confisco das mercadorias proibidas, e mesmo de tudo o que se acha apreendido com objetos de contrabando, é uma pena justíssima. Para torná-lo mais eficaz, seria preciso que os direitos fossem pouco consideráveis; pois os homens só se arriscam na proporção do lucro que o êxito possa proporcionar-lhes.
Será, o caso de deixar impune o culpado que não tem nada que perder? Não. Os impostos são parte tão essencial e tão difícil numa boa legislação, e estão de tal modo comprometidos em certas espécies de contrabando, que tal delito merece uma pena considerável, como a prisão e mesmo a servidão, mas uma prisão e uma servidão análogas à natureza do delito.
Por exemplo, a prisão de um contrabandista de fumo não deve ser a do assassino ou a do ladrão; e, sem dúvida, o castigo mais conveniente ao gênero do delito seria aplicar à utilidade do fisco a servidão e o trabalho daquele que pretendeu fraudar-lhe os direitos.

XXXII. DAS FALÊNCIAS

O legislador que percebe o preço da boa fé nos contratos, e que quer proteger a segurança do comércio, deve dar recurso aos credores sobre a pessoa mesma dos seus devedores, quando estes abrem falência. Importa, não confundir o falido fraudulento com o que é de boa fé. O primeiro deveria ser punido como o são os moedeiros falsos, porque não é maior o crime de falsificar o metal amoedado, que constitui a garantia dos homens entre si, do que falsificar essas obrigações mesmas.
Mas, o falido de boa fé, o infeliz que pode provar evidentemente aos seus juízes que a infidelidade de outrem, as perdas dos seus correspondentes, ou enfim contratempos que a prudência humana não poderia evitar, o despojaram dos seus bens, deve ser tratado com menos rigor. Por que motivos bárbaros ousar-se-á mergulhá-lo nas masmorras, privá-lo do único bem que lhe resta na miséria, a liberdade, e confundi-lo com os criminosos e forçá-lo a arrepender-se de ter sido honesto? Vivia tranquilo, ao abrigo de sua probidade, e contava com a proteção das leis. Se as violou, é que não estava em seu poder conformar-se exatamente a essas leis severas, que o poder e a avidez insensível impuseram e que o pobre aceitou seduzido pela esperança que subsiste sempre no coração do homem e que o faz acreditar que todos os acontecimentos felizes serão para ele e todas as desgraças para os outros.
O medo de ser ofendido predomina geralmente na alma sobre a vontade de prejudicar; e os homens, entregando-se às suas primeiras impressões, amam as leis cruéis, se bem que seja do seu interesse viver sob leis brandas, pois eles próprios estão submetidos a elas.
Mas, ao falido de boa fé: não o desobriguem de sua dívida senão depois que ele a tiver pago inteiramente; recusem-lhe o direito de subtrair-se aos credores sem o consentimento destes, e a liberdade de levar adiante sua indústria; forcem-no a empregar seu trabalho e seus talentos no pagamento do que deve, proporcionalmente aos seus lucros. Mas, não se poderá fazê-lo sofrer uma prisão injusta e inútil aos credores.
Os horrores da prisão obrigarão o falido a revelar as trapaças que ocasionaram uma falência suspeita de fraude. É bem raro, que essa espécie de
tortura seja necessária, se se fizer um exame rigoroso da conduta e dos negócios do acusado.
Se a fraude do falido for muito duvidosa, será melhor optar por sua inocência. Há uma máxima geralmente certa em legislação, segundo a qual a impunidade de um culpado tem graves inconvenientes; mas, a impunidade é pouco perigosa quando o delito é difícil de constatar-se.
Alegar-se-á também a necessidade de proteger os interesses do comércio, assim como o direito de propriedade, que deve ser sagrado. Mas, o comércio e o direito de propriedade não são o fim do pacto social, são apenas meios que podem conduzir a esse fim.
Se se submeterem todos os membros da sociedade a leis cruéis, para preservá-los dos inconvenientes que são as consequências naturais do estado social, isso será faltar ao fim procurando atingi-lo; e esse é o erro funesto que perde o espírito humano em todas as ciências, mas sobretudo na política.
Poder-se-ia distinguir a fraude do delito grave, e fazer uma diferença entre o delito grave e a pequena falta, que seria preciso separar também da perfeita inocência.
No primeiro caso, aplicar-se-iam ao culpado as penas aplicáveis ao crime de falsário. O segundo delito seria punido com penas menores, com a perda da liberdade.
Deixar-se-ia ao falido inocente a escolha dos meios que desejasse empregar para estabelecer os seus negócios; e, no caso de um delito leve, dar-se-ia aos credores o direito de prescrever esses meios.
Mas, a distinção entre faltas graves e leves deve ser obra da lei, que é a única imparcial; seria perigoso abandoná-la à prudência arbitrária de um juiz.
Mas essas leis fáceis, a um tempo tão simples e tão sublimes; essas leis que esperam o sinal do legislador para espalhar sobre as nações a abundância e a força; essas leis que seriam motivo de reconhecimento eterno de todas as gerações, são desconhecidas ou rejeitadas.

XXXIII. DOS DELITOS QUE PERTURBAM A TRANQÜILIDADE PÚBLICA

A terceira espécie de delitos compreende os que perturbam o repouso e a tranquilidade pública: as querelas e o tumulto de pessoas que se batem na via pública.
Iluminar as cidades durante a noite à custa do público; colocar guardas de segurança nos diversos bairros das cidades; reservar ao silêncio e à tranquilidade sagrada dos templos, protegidos pelo governo, os discursos de moral religiosa, e as arengas destinadas a sustentar os interesses particulares e públicos às assembleias da nação, aos parlamentos aos lugares, enfim, onde reside a majestade soberana: tais são as medidas próprias para prevenir a perigosa fermentação das paixões populares; e são esses os principais objetos
que devem ocupar a vigilância do magistrado de polícia.
Mas, se esse magistrado não age segundo leis conhecidas e familiares a todos os cidadãos; se pode, ao contrário, fazer ao seu capricho leis que julga serem necessárias, abre assim a porta à tirania, que ronda sem cessar em torno das barreiras que a liberdade pública lhe fixou e que só procura transpô-las.
Creio não haver exceção à regra geral de que os cidadãos devem saber o que precisam fazer para serem culpados, e o que precisam evitar para serem inocentes.
Um governo que tem necessidade de censores, ou de qualquer outra espécie de magistrados arbitrários, prova que é mal organizado e que sua constituição não tem força.
Num país em que o destino dos cidadãos está entregue à incerteza, a tirania oculta imola mais vítimas do que o tirano mais cruel que age abertamente.

XXXIV. DA OCIOSIDADE

Os governos sábios não sofrem uma espécie de ociosidade que é contrária ao fim político do estado social: quero falar de certas pessoas ociosas e inúteis que não dão à sociedade nem trabalho nem riquezas, que acumulam
sempre sem jamais perder.
Austeros declamadores confundiram essa espécie de ociosidade com a que é fruto das riquezas adquiridas pela indústria. Cabe às leis, e não à virtude rígida de alguns censores, definir a espécie de ociosidade punível.
Não se pode encarar como ociosidade funesta em política aquela que, gozando do fruto dos vícios ou das virtudes de alguns antepassados, dá contudo pão e existência à pobreza industriosa, da troca dos prazeres atuais que recebe desta e que põe o pobre na contingência de travar a guerra pacífica que a indústria sustenta contra a opulência e que sucedeu aos combates sangrentos e incertos da força contra a força.
Essa espécie de ociosidade pode mesmo tornar-se vantajosa, à medida que a sociedade aumenta e que o governo deixa aos cidadãos mais liberdade.

XXXV. DO SUICÍDIO

O suicídio é um delito que parece não poder ser submetido a nenhuma pena propriamente dita; pois essa pena só poderia recair sobre um corpo insensível e sem vida, ou sobre inocentes. O castigo que se aplicasse contra os restos inanimados do culpado não poderia produzir outra impressão sobre os espectadores senão a que estes experimentariam ao verem fustigar uma estátua.
Se a pena é aplicada à família inocente, ela é odiosa e tirânica, porque já não há liberdade quando as penas não são puramente pessoais.
Se se obedece às leis pelo temor de um suplício doloroso, aquele que se mata nada tem que temer, pois a morte destrói toda sensibilidade. Não é, esse motivo que poderá deter a mão desesperada do suicida.
Mas, aquele que se mata faz menos mal à sociedade do que aquele que renuncia para sempre à sua pátria. O primeiro deixa tudo ao seu país, ao passo que o outro lhe rouba sua pessoa e uma parte dos seus bens.
Como a força de uma nação consiste no número dos cidadãos, aquele que abandona o seu país para entregar-se a outro causa à sociedade o dobro do prejuízo que lhe pode causar o suicida.
A questão reduz-se, a saber se é útil ou perigoso à sociedade deixar a cada um dos membros que a compõem uma liberdade perpétua de afastar-se dela.
Toda lei que não é forte por si mesma,  jamais deveria ser promulgada.
Como a energia dos nossos sentimentos é limitada, se se quiser obrigar os homens a respeitar objetos estranhos ao bem da sociedade, eles terão menos veneração pelas leis verdadeiramente úteis.
Uma lei que tentasse tirar aos cidadãos a liberdade de abandonar seu país, seria uma lei inútil; porque, a menos que rochedos inacessíveis ou mares impraticáveis separem esse país de todos os outros, como guardar todos os pontos de sua circunferência? Como guardar os próprios guardas?
O imigrante que leva tudo o que possui não deixa nada sobre que as leis possam fazer cair a pena com que o ameaçam. Seu delito já não pode ser punido, desde que foi cometido; e infligir-lhe um castigo antes que ele seja consumado, é punir a intenção e não o fato, é exercer um poder tirano sobre o pensamento, sempre livre e sempre independente das leis humanas.
Tentar-se-á punir o fugitivo com o confisco dos bens que ele deixa? Mas a conclusão, que não se pode impedir por pouco que se respeitem os contratos dos cidadãos entre si, tornaria esse meio ilusório. Além disso, semelhante lei destruiria todo comércio entre as nações; e, se punisse o emigrado, no caso dele regressar aos país, isso significaria impedi-lo de reparar o prejuízo que causou à sociedade e banir para sempre aquele que uma vez se tivesse afastado da pátria.
Enfim, a proibição de sair de um país só faz aumentar, o desejo de abandoná-lo, ao passo que desvia os estrangeiros de nele se estabelecerem. Que se deve, pensar de um governo que não tem outro meio senão o temor, para reter os homens em sua pátria?
A maneira mais certa de fixar os homens em sua pátria é aumentar o bem-estar de cada cidadão. Do mesmo modo que todo governo deve empregar os maiores esforços para fazer pender a seu favor a balança do comércio, assim também o maior interesse do soberano e da nação é que a soma de felicidade seja aí maior do que entre os povos vizinhos.
Os prazeres do luxo não são os principais elementos dessa felicidade: embora impedindo as riquezas de se reunirem numa só mão, eles se tornam um remédio necessário à desigualdade, que toma mais força à medida que a sociedade faz mais progressos. São a base da felicidade pública, num país em que a segurança dos bens e a liberdade das pessoas dependem exclusivamente das leis, porque então esses prazeres favorecem a população; ao passo que se tornam um instrumento de tirania para um povo cujos direitos não são garantidos.
Está, demonstrado que a lei que prende os cidadãos ao seu país é inútil e injusta; e o mesmo juízo deve ser feito sobre a que pune o suicídio.
Trata-se de um crime que Deus pune após a morte do culpado, e somente Deus pode punir depois da morte.
Não é, um crime perante os homens, porque o castigo recai sobre a família inocente e não sobre o culpado.
Se me objetarem que o medo desse castigo pode, deter a mão do infeliz
determinado a morrer, responderei que quem renuncia a doçura de viver e odeia bastante a existência terrena para preferir-lhe uma eternidade talvez infeliz, não se comoverá decerto com a consideração remota e menos forte da vergonha que o crime atrairá sobre sua família.

XXXVI. DE CERTOS DELITOS DIFÍCEIS DE CONSTATAR

Cometem-se na sociedade certos delitos que são frequentes, mas que é
difícil provar. São o adultério, a pederastia, o infanticídio.
O adultério é um crime que, só é tão frequente porque as leis não são fixas e porque os dois sexos são naturalmente atraídos um pelo outro. O adultério é produzido pelo abuso de uma necessidade constante, comum a todos os mortais, anterior à sociedade; ao passo que os outros delitos, que tendem mais ou menos à destruição do pacto social, são antes o efeito das paixões do momento do que das necessidades da natureza.
A fidelidade conjugal é sempre mais segura à proporção que os casamentos são mais numerosos e mais livres.
O adultério é um delito de um instante; envolve-se de mistério; cobre-se de um véu que as próprias leis se empenham em conservar, véu necessário, mas de tal modo transparente que só faz aumentar os encantos do objeto que oculta. As ocasiões são tão fáceis, as consequências tão duvidosas, que é bem mais fácil ao legislador preveni-lo quando não foi cometido do que reprimi-lo quando já se estabeleceu.
Regra geral: em todo delito que, por sua natureza, deve quase sempre ficar impune, a pena é um aguilhão a mais.
A pederastia, que as leis punem com tanta severidade e contra a qual se empregam tão facilmente essas torturas atrozes que triunfam da própria inocência, é menos o efeito das necessidades do homem isolado e livre do que o desvio das paixões do homem escravo que vive em sociedade. Se às vezes ela é produzida pela sociedade dos prazeres, é bem frequentemente o efeito dessa educação que, para tornar os homens úteis aos outros, começa por torná-los inúteis a si mesmos, nessas casas em que uma juventude numerosa, viva, ardente, mas separada por obstáculos intransponíveis do sexo, do qual a
natureza lhe pinta fortemente todos os encantos, prepara para si uma velhice antecipada, consumindo de antemão, inutilmente para a humanidade, um vigor apenas desenvolvido.
O infanticídio é ainda o resultado quase inevitável da cruel alternativa em que se acha uma infeliz, que só cedeu por fraqueza, ou que sucumbiu sob os esforços da violência.
De um lado a infâmia, de outro a morte de um ser incapaz de sentir a perda da vida: como não havia de preferir esse último partido, que a rouba à vergonha, à miséria, juntamente com o desgraçado filhinho!
O melhor meio de prevenir essa espécie de delito seria proteger com leis eficazes a fraqueza e a infelicidade contra essa espécie de tirania, que só se levanta contra os vícios que não se podem cobrir com o manto da virtude.

XXXVII. DE UMA ESPÉCIE PARTICULAR DE DELITO
Não falei de uma espécie de delito cuja punição inundou a Europa de sangue humano.
Não descrevi esses espetáculos em que o fanatismo elevava constantemente fogueiras, em que homens vivos serviam de alimento às chamas, em a que multidão se comprazia em ouvir os gemidos dos infelizes, em que cidadãos corriam, a contemplar a morte dos seus irmãos, no meio dos turbilhões de fumaça, em que os lugares públicos ficavam cobertos de destroços palpitantes e de cinzas humanas.
Os homens esclarecidos verão que o país onde habito, o século em que vivo e a matéria de que trato não me permitiram examinar a natureza desse delito. Eu me desviaria muito do meu assunto, querer provar, a necessidade de uma inteira conformidade de opinião num Estado político; procurar demonstrar como certas crenças religiosas, obscuras e muito acima da capacidade humana, podem perturbar a tranquilidade pública, a menos que somente uma seja autorizada e todas as outras proscritas.
Só falo dos crimes que pertencem ao homem natural e que violam o contrato social; devo silenciar, sobre os pecados cuja punição mesmo temporal
deve ser determinada segundo outras regras que não as da filosofia.

XXXVIII. DE ALGUMAS FONTES GERAIS DE ERROS E DE INJUSTIÇAS NA LEGISLAÇÃO

As falsas ideias que os legisladores fizeram da utilidade são uma das fontes mais fecundas de erros e injustiças.
Não teria certamente ideias justas quem desejasse tirar aos homens o fogo e a água, porque esses dois elementos causam incêndios e inundações, e quem só soubesse impedir o mal pela destruição.
Podem considerar-se igualmente como contrárias ao fim de utilidade as leis que proíbem o porte de armas, pois só desarmam o cidadão pacífico, ao passo que deixam o ferro nas mãos do celerado, bastante acostumado a violar as convenções mais sagradas para respeitar as que são apenas arbitrárias.
Tais leis só servem para multiplicar os assassínios, entregam o cidadão sem defesa aos golpes do celerado, que fere com mais audácia um homem desarmado; favorecem o bandido que ataca, em detrimento do homem honesto que é atacado.
Essas leis são o ruído das impressões que produzem certos fatos particulares; não podem ser o resultado de combinações sábias que pesam numa mesma balança os males e os bens; não é para prevenir os delitos, mas pelo vil sentimento do medo, que se fazem tais leis.
Enfim, também podem chamar-se falsas ideias de utilidade as que separam o bem geral dos interesses particulares, sacrificando as coisas às palavras.
Há, entre o estado de sociedade e o estado de natureza, a diferença de que o homem selvagem só faz mal a outrem quando nisso descobre alguma vantagem para si, ao passo que o homem social é às vezes levado, por leis viciosas, a prejudicar sem nenhum proveito.
Eis, porque as ofensas são quase sempre seguidas de ofensas novas. A
tirania e o ódio são sentimentos duráveis, que se sustentam e tomam novas forças à medida que se exercem; ao passo que, em nossos corações corruptos, o amor e os sentimentos ternos se enfraquecem e se extinguem na ociosidade.

XXXIX. DO ESPÍRITO DE FAMÍLIA

O espírito da família é outra fonte geral de injustiças na legislação. Se as disposições cruéis e os outros vícios das leis penais foram aprovados pelos legisladores mais esclarecidos, nas repúblicas mais livres, é que se considerou o Estado antes como uma sociedade de famílias do que como a associação de um certo número de homens.
Suponha-se uma nação composta de cem mil homens, distribuídos em vinte mil famílias de cinco pessoas cada uma, inclusive o chefe que a representa; se a associação é feita por famílias, haveria vinte mil cidadãos e oitenta mil escravos; se é feita por indivíduos, haveria cem mil cidadãos livres.
No primeiro caso, seria uma república composta de vinte mil pequenas monarquias; no segundo, tudo respirará o espírito de liberdade, que animará os cidadãos, não somente nas praças públicas e nas assembleias nacionais, mas ainda sob o teto doméstico, onde residem os principais elementos de felicidade e de miséria.
Se a associação é feita por famílias, as leis e os costumes, que são sempre o resultado dos sentimentos habituais dos membros da sociedade política, serão obra dos chefes dessas famílias; ver-se-á em breve o espírito monárquico introduzir-se aos poucos na própria república, e os seus efeitos só encontrarão obstáculos na oposição dos interesses particulares, porque os sentimentos naturais de liberdade e de igualdade já terão deixado de viver nos corações.
O espírito de família é um espirito de minúcia limitado pelos mais insignificantes pormenores; ao passo que o espírito público, ligado aos princípios gerais, vê os fatos com visão segura, coordena-os nos lugares respectivos e sabe tirar deles consequências úteis ao bem da maioria.
Nas sociedades compostas de famílias, as crianças ficam sob a autoridade do chefe e são obrigadas a esperar que a morte lhes dê uma existência que só depende das leis.
Nas repúblicas, em que todo homem é cidadão, a subordinação nas famílias não é efeito da força, mas de um contrato; e os filhos, uma vez saídos da idade em que a fraqueza e a necessidade de educação os mantêm sob a dependência natural dos pais, tornam-se desde então membros livres da sociedade: se ainda se submetem ao chefe da família, é apenas para participar das vantagens que esta lhes oferece, do mesmo modo que os cidadãos se sujeitam, sem perder a liberdade, ao chefe da grande sociedade política.
Nas repúblicas compostas de famílias, os jovens, a parte mais considerável e mais útil da nação, ficam à discrição dos pais. Nas repúblicas de homens livres, os únicos laços que submetem os filhos ao pai são os sentimentos sagrados e invioláveis da natureza, que convidam os homens a ajudar-se mutuamente em suas necessidades recíprocas e que lhes inspiram o reconhecimento pelos benefícios recebidos.
Esses deveres são muito mais alterados pelo vício das leis, que prescrevem uma submissão cega e obrigatória, do que pela maldade do coração humano.
Essa oposição entre as leis fundamentais dos Estados políticos e as leis de família, é fonte de muitas outras contradições entre a moral pública e a moral particular, que se combatem continuamente no espírito de cada homem.
A moral particular só inspira a submissão e o medo, ao passo que a moral pública anima a coragem e o espírito da liberdade.
Guiado pela primeira, o homem limita seu bem-estar ao círculo estreito de um pequeno número de pessoas que ele nem mesmo escolheu. Inspirado pela outra, procura estender a felicidade sobre todas as classes da humanidade.
A moral particular exige que cada qual se sacrifique continuamente a um falso ídolo que se chama o bem da família e que muitas vezes não é o bem real de nenhum dos indivíduos que a compõem. A moral pública ensina a procurar o bem-estar sem ferir as leis; e, se às vezes excita um cidadão a imolar-se pela pátria, recompensa-o pelo entusiasmo que lhe inspira antes do sacrifício e pela glória que lhe promete.
Tantas contradições fazem que os homens desdenhem de praticar a virtude, que não podem reconhecer no meio das trevas de que a cercaram e que lhes parece distante, porque está envolta nessa obscuridade que oculta aos nossos olhos os objetos morais como os objetos físicos.
Quantas vezes o cidadão que reflete sobre suas ações passadas não se terá admirado de achar-se um mau homem?
A medida que a sociedade cresce, cada um dos seus membros torna-se uma parte menor do todo, e o amor do bem público se enfraquece na mesma proporção, se as leis deixam de fortificá-lo. As sociedades políticas têm, como o corpo humano, um crescimento limitado; não poderiam estender-se além de certos limites, sem que sua economia fosse perturbada.
Parece que a grandeza de um Estado deve estar na razão inversa do grau de atividade dos indivíduos que a compõem. Se essa atividade crescesse ao mesmo tempo que a população, as boas leis achariam um obstáculo, para prevenir os delitos, no próprio bem que tivessem podido fazer.
Uma república muito vasta só pode escapar ao despotismo subdividindo-se num certo número de pequenos Estados confederados. Mas, para formar essa união, seria preciso um ditador poderoso.
Se tal homem for ambicioso, poderá esperar uma glória imortal. Se for filósofo, as bênçãos dos seus concidadãos o consolarão da perda de sua autoridade, mesmo sem pedir-lhes reconhecimento.
Quando os sentimentos que nos unem à nação principiam a enfraquecer-se, os que nos ligam aos objetos que nos cercam adquirem novas forças. Assim, sob o despotismo, os laços da amizade são mais duráveis; e as virtudes de família se tornam, as mais comuns, ou são as únicas que ainda se praticam.

XL. DO ESPÍRITO DO FISCO

Houve um tempo em que todas as penas eram pecuniárias. Os crimes dos súditos eram para o príncipe uma espécie de patrimônio. Os atentados contra a segurança pública eram objeto de lucro, sobre o qual se sabia especular. O soberano e os magistrados achavam seu interesse nos delitos que deveriam prevenir. Os julgamentos não eram, nada menos do que um processo entre o fisco que percebia o preço do crime, e o culpado que devia pagá-lo. Fazia-se disso um negócio civil, contencioso, como se tratasse de uma querela particular, e não do bem público. Parecia que o fisco tinha outros direitos que exercer além da proteção da tranquilidade pública, e o culpado outras penas que sofrer além das que a necessidade do exemplo o exigia. O juiz, estabelecido para apurar a verdade com ânimo imparcial, não era mais do que o advogado do fisco; e aquele que se chamava o protetor e o ministro das leis era apenas o exator dos dinheiros do príncipe.
Nesse sistema, quem se confessasse culpado se reconhecia, pela própria confissão, devedor do fisco; e, como era esse o fim de todos os processos criminais, toda a arte do juiz consistia em obter essa confissão da maneira mais favorável aos interesses do fisco.
É ainda para esse mesmo fim fiscal que tende hoje toda a jurisprudência criminal, os efeitos permanecem por muito tempo depois de cessadas as causas.
O acusado que recusa confessar-se culpado, embora convencido por provas certas, sofrerá uma pena mais leve do que se tivesse confessado; não lhe será aplicada a tortura pelos outros crimes que poderia ter cometido, precisamente porque não confessou o crime principal de que está convencido. Mas, se o crime é confessado, o juiz apodera-se do corpo do culpado; dilacera-o metodicamente; e faz dele,. por assim dizer, um fundo do qual tira todo o proveito possível.
Uma vez reconhecida a existência do delito, a confissão do acusado se torna prova convincente. Acredita-se tornar essa prova menos suspeita, arrancando a confissão do crime pelos tormentos e pelo desespero; e se estabeleceu que a confissão não basta para condenar o culpado, se esse culpado é calmo, se fala desembaraçadamente, se não está cercado das formalidades judiciárias e do aparato aterrador dos suplícios.
Excluem-se da instrução de um processo as investigações e as provas
que, esclarecendo o fato de maneira a favorecer o acusado, poderiam prejudicar as pretensões do fisco; e, se às vezes se poupam alguns tormentos ao culpado, não é nem por piedade para com a desgraça, nem por indulgência para com a fraqueza, mas porque as confissões obtidas são suficientes para os direitos do fisco, esse ídolo que já não passa de uma quimera e que a mudança das circunstâncias nos torna inconcebível.
O juiz, quando exerce suas funções, não é mais do que o inimigo do culpado, isto é, de um infeliz curvado ao peso das cadeias, minado pelo sofrimento, que os tormentos esperam e que o futuro mais terrível cerca de horror e de assombro. Não é a verdade o que ele procura; quer descobrir no acusado um culpado; prepara-lhe armadilhas, parece que tem tudo que perder e que teme, se não puder convencer o acusado.
O juiz tem o poder de determinar por que indícios se pode encarcerar um cidadão. E declarar que esse cidadão é culpado, antes de poder provar que é inocente.
Mal se conhece nos tribunais o verdadeiro processo das informações, a investigação imparcial do fato, prescrita pela razão, seguida nas leis militares, nos assuntos que só interessam os particulares.

XLI. DOS MEIOS DE PREVENIR CRIMES

É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida.
Mas, os meios que até hoje se empregam são insuficientes ou contrários ao fim que se propõem. Não é possível submeter a atividade tumultuosa de uma massa de cidadãos a uma ordem geométrica, que não apresente nem irregularidade nem confusão.
Embora as leis da natureza sejam sempre simples e sempre constantes, não impedem que os planetas se desviem às vezes dos movimentos habituais. Como poderiam, as leis humanas, em meio ao choque das paixões e dos sentimentos opostos da dor e do prazer, impedir que não haja alguma perturbação e algum desarranjo na sociedade? É essa, a quimera dos homens limitados, quando têm algum poder.
Se proíbem aos cidadãos uma porção de atos indiferentes, não tendo tais atos nada de nocivo, não se previnem os crimes: ao contrário, faz-se que surjam novos, porque se mudam arbitrariamente as ideias de vício e virtude, que todavia se proclamam eternas e imutáveis.
Além disso, a que ficaria o homem reduzido, se fosse preciso interdizer-lhe tudo o que pode ser para ele uma ocasião de praticar o mal? Seria preciso começar por tirar-lhe o uso dos sentidos.
Para um motivo que leva os homens a cometer um crime, há mil outros que os levam a ações indiferentes, que só são delitos perante as más leis. Quanto mais se estender a esfera dos crimes, tanto mais se fará que sejam cometidos porque se verão os delitos multiplicar-se à medida que os motivos de delitos especificados pelas leis forem mais numerosos, sobretudo se a maioria dessas leis não passarem de privilégios, de um pequeno número de senhores.
Quereis prevenir os crimes? Fazeis leis simples e claras; fazei-as amar; e esteja a nação inteira pronta a armar-se para defendê-las, sem que a minoria de que falamos se preocupe constantemente em destruí-las.
Não favoreçam elas nenhuma classe particular; protejam igualmente cada membro da sociedade; receie-as o cidadão e trema somente diante delas. O temor que as leis inspiram é salutar, o temor que os homens inspiram é uma fonte funesta de crimes.
Os homens escravos são sempre mais debochados, mais covardes, mais cruéis do que os homens livres. Estes investigam as ciências; ocupam-se com os interesses da nação; veem os objetos sob um ponto de vista elevado, e fazem grandes coisas. Mas, os escravos, satisfeitos com os prazeres do momento, procuram no ruído do deboche uma distração para o aniquilamento em que se veem mergulhados. Toda sua vida está cercada de incertezas, e, como para eles os delitos não estão determinados, não sabem quais serão suas consequências: e isso empresta nova força à paixão que os leva a praticá-los.
Num povo que o clima torna indolente, a incerteza das leis entretém e aumenta a inação e a estupidez. Numa nação voluptuosa, mas ativa, as leis incertas fazem que a atividade dos cidadãos se limite a pequenas cabalas e intrigas, surdas, que semeiam a desconfiança. Então, o homem mais prudente é aquele que sabe melhor dissimular e trair.
Num povo forte e corajoso, a incerteza das leis é forçada por fim e substituir-se por uma legislação precisa; isso, porém, só acontece depois de revoluções frequentes, que conduziram esse povo, alternativamente, da liberdade à escravidão e da escravidão à liberdade.
Quereis prevenir os crimes? Marche a liberdade acompanhada das luzes. Se as ciências produzem alguns males, é quando estão pouco difundidas; mas, à medida que se estendem, as vantagens que trazem se tornam maiores.
Um impostor ousado faz-se adorar por um povo ignorante e só é objeto de desprezo para uma nação esclarecida.
O homem instruído sabe comparar os objetos, considerá-los sob diversos pontos de vista e modificar os próprios sentimentos pelos dos outros, porque vê nos seus semelhantes os mesmos desejos e as mesmas aversões que agem sobre o seu coração.
Se prodigalizardes luzes ao povo, a ignorância e a calúnia desaparecerão diante delas, a autoridade injusta tremerá, só as leis permanecerão inabaláveis, todo-poderosas; e o homem esclarecido amará uma constituição cujas vantagens são evidentes, uma vez conhecidos seus dispositivos, e que dá bases sólidas à segurança pública. Poderá ele lamentar essa inútil partícula de liberdade de que se privou, se a comparar com a soma
de todas as outras liberdades que os seus concidadãos lhe sacrificaram, e se pensar que, sem as leis, estes últimos poderiam armar-se e unir-se contra ele?
Dotado de uma alma sensível, verifica-se que, sob boas leis, o homem só perdeu a funesta liberdade de praticar o mal, forçado a bendizer o trono e o soberano que só o ocupa para proteger.
Não é verdade que as ciências sejam nocivas à humanidade. Se às vezes deram maus resultados, é que o mal era inevitável. Multiplicando-se os homens sobre a superfície da terra, viram-se nascer a guerra, algumas artes grosseiras, e as primeiras leis, que não eram senão convenções momentâneas e que pereciam com a necessidade passageira que as produziria. Foi então que a filosofia começou a aparecer; seus primeiros princípios foram pouco numerosos e sabiamente escolhidos, porque a preguiça e a pouca sagacidade dos primeiros homens os preservam de muitos erros.
Mas, multiplicadas as necessidades juntamente com a espécie humana, foram necessárias impressões mais fortes e mais duráveis para impedir as voltas frequentes, e cada dia mais funestas ao estado selvagem. Foram, um grande bem para a humanidade os primeiros erros religiosos que povoaram o universo de falsas divindades e que inventaram um mundo invisível de espíritos encarregados de governar a terra.
Outro meio de prevenir os delitos é afastar do santuário das leis a própria sombra da corrupção, interessando os magistrados em conservar em toda a sua pureza o depósito que a nação lhes confia.
Quanto mais numerosos forem os tribunais, tanto menos se poderá temer que violem as leis, porque, entre vários homens que se observam mutuamente, a vantagem de aumentar a autoridade comum é tanto menor quanto menor a parcela de autoridade de cada um e muito pouco considerável para contrabalançar os perigos da empresa.
Se o soberano dá muito aparato, pompa e autoridade à magistratura; se ao mesmo tempo fecha todo acesso aos lamentos justos ou mal fundados do fraco, que se julga oprimido; se acostuma os súditos a temer os magistrados mais do que as leis, aumentará sem dúvida o poder dos juízes, mas somente à custa da segurança pública e particular.
Podem ainda prevenir-se os crimes recompensando a virtude; e pode-se observar que as leis atuais de todas as nações guardam a esse respeito um profundo silêncio.
Afim, o meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homem menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação.
Um grande homem, que esclarece os seus semelhantes e que é por estes perseguido, desenvolveu as máximas principais de uma educação verdadeiramente útil. Fez ver que ela consistia bem menos na multidão confusa dos objetos que se apresentam às crianças do que na escolha e na precisão com as quais se lhes expõem.
Provou que é preciso substituir as cópias pelos originais nos fenômenos morais ou físicos que o acaso ou a habilidade do mestre oferece ao espírito do aluno.
Ensinou a conduzir as crianças à virtude, pela estrada fácil do sentimento, a afastá-las do mal pela força invencível de necessidade e dos inconvenientes que seguem a má ação.
Demostrou que o método incerto da autoridade imperiosa deveria ser abandonado, pois só produz uma obediência hipócrita e passageira.

XLII. CONCLUSÃO

De tudo o que acaba de ser exposto, pode deduzir-se um teorema geral utilíssimo, mas conforme ao uso, que é o legislador ordinário das nações: É que, para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser essencialmente pública, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstâncias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei.


Feito por Rafaela Fernandes 


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