segunda-feira, 6 de julho de 2015

AÇÃO PENAL COMO INSTRUMENTO DE COAÇÃO NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS

No julgamento do HC 81611, dia 10/12/2003, o Supremo Tribunal Federal fixou finalmente a sua jurisprudência no sentido de que não pode o Ministério Público promover a ação penal, nos crimes tributários, antes do julgamento definitivo dos processos na via administrativa.

O assunto é extremamente polêmico e na Corte Maior rendeu divergências, tanto que a decisão não foi unânime. Restaram vencidos a ministra Ellen Gracie e os ministros Joaquim Barbosa e Carlos Brito. 

Importante, porém, e que a final prevaleceu a tese que evita seja a ação penal utilizada como instrumento de coação contra o contribuinte, com o objetivo de impedir que o mesmo conteste, pelas vias legais, a cobrança de tributo indevido.

Esse aspecto foi destacado pelo Ministro Nelson Jobim, como se vê da notícia do julgamento divulgada pela Internet. Sua excelência observou que no processo administrativo fiscal o contribuinte exerce o seu direito ao contraditório e à ampla defesa, na Constituição assegurado, e a instauração de ação penal antes de concluído esse processo administrativo consubstancia uma ameaça ao contribuinte.

É de incontestável consistência esse argumento do ministro Jobim. Quem conhece o comportamento do Ministério Público que em muitos casos atua como verdadeiro cobrador de impostos, sabe muito bem que a ameaça de ação penal pode levar o contribuinte a pagar o tributo mesmo quando seja este flagrantemente indevido.E isto evidentemente não é compatível com o Estado democrático de Direito, no qual deve ser assegurado a todos o direito de não pagar tributos indevidos. 

O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do caso, já se havia manifestado no sentido da tese que a final prevaleceu. Profundo conhecedor do Direito Penal, sustentou a falta de justa causa para a ação penal, antes do lançamento definitivo, por se tratar de um crime de resultado. E na verdade a ação penal, antes do lançamento definitivo, pode conduzir a uma situação, verdadeiramente absurda, na qual o Estado juiz pune alguém por supressão ou redução de tributo e o mesmo Estado, como Administração Tributária, diz que nenhum tributo lhe era devido.

Duas palavras, porém, devem ser ditas em relação à tese adotada pelos votos vencidos. A ministra Ellen Gracie, com o apoio dos ministros Joaquim Barbosa e Carlos Brito, sustentou que aguardar o julgamento administrativo poderia levar à impunidade em face da prescrição. Essa tese, data vênia, é inconsistente porque o Estado tem meios para evitar a demora no julgamento do processo administrativo, e não se justifica de nenhum modo que a pretexto de evitar a prescrição seja amesquinhado o direito fundamental do contribuinte de defender-se contra a exigência de tributo indevido.

Ressalte-se finalmente que o Ministro Joaquim Barbosa, mesmo tendo a final aderido à tese da ministra Ellen Gracie, afirmou “a necessidade de tratamento harmônico da matéria nas esferas administrativa, penal e civil.” Pois “a desarmonia entre elas poderia acarretar a indesejável coincidência da condenação penal seguida do reconhecimento da inexistência do débito fiscal na esfera administrativa.”

Essa possibilidade é bem mais preocupante do que a de ocorrência de prescrição, que aliás pode ser contornada pelo próprio STF, com a tese sustentada por alguns de seus ministros, de que a prescrição não corre enquanto pendente de julgamento o processo administrativo fiscal.

A questão essencial na verdade consiste em saber se é juridicamente válido o uso da ação penal como instrumento de coação para obrigar o contribuinte a pagar tributos sem direito de questionar a legalidade destes. E o Supremo Tribunal Federal merece aplausos da comunidade jurídica pela resposta a ela oferecida, com a qual contribui positivamente para a construção, no Brasil, de um Estado Democrático de Direito.


HUGO DE BRITO MACHADO Advogado, Professor Titular de Direito Tributário da Universidade Federal do Ceará e Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (Aposentado)

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