segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Direito Objetivo e Direito Subjetivo


Costuma-se distinguir o direito objetivo do subjetivo.

O direito objetivo é o complexo de normas jurídicas que regem o comportamento humano, de modo obrigatório, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação (jus est norma agendi).

O direito subjetivo, para Goffredo Telles Jr., é a permissão dada por meio da norma jurídica, para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não ter algo, ou, ainda, a autorização para exigir, por meio dos órgãos competentes do poder público ou por meio de processos legais, em caso de prejuízo causado por violação de norma, o cumprimento da norma infringida ou a reparação do mal sofrido. P. ex.: são direitos subjetivos as permissões de casar e constituir família; de adotar pessoa como filho; de ter domicílio inviolável; de vender os seus pertences; de usar, gozar e dispor da propriedade; de alugar uma casa sua; de exigir pagamento do que é devido; de mover ação para reparar as consequências de ato considerado ilícito.

Infere-se, daí, que duas são as espécies de direito subjetivo: a) o comum da existência, que é a permissão de fazer ou não fazer, de ter ou não ter alguma coisa, sem violação de preceito normativo, e b) o de defender direitos, que é a autorização de assegurar o uso do direito subjetivo, de modo que o lesado pela violação da norma está autorizado por ela a resistir contra a ilegalidade, a fazer cessar o ato ilícito, a reclamar reparação pelo dano e a processar criminosos, impondo-lhes pena. Essas autorizações são permissões concedidas pela coletividade, por meio de normas de garantia, que são as normas jurídicas.

O direito subjetivo é subjetivo porque as permissões, com base na norma jurídica e em face dos demais membros da sociedade, são próprias das pessoas que as possuem, podendo ser ou não usadas por elas.

É comum dizer-se que o direito subjetivo é facultas agendi. Porém as faculdades humanas não são direitos, são qualidades próprias do ser humano, que independem de norma jurídica para sua existência. A filosofia clássica já ensinava que faculdade são potências ativas ou qualidades, que dispõem, imediatamente, um ser a agir.

Compete à norma jurídica ordenar tais faculdades humanas; logo, o uso dessas faculdades é lícito ou ilícito, conforme for permitido ou proibido. Portanto o direito subjetivo é a permissão para o uso das faculdades humanas. P. ex.: todos temos faculdade de ser proprietário, porém essa faculdade não é o direito de propriedade, porque o direito de propriedade não é mera faculdade de ser proprietário, mas a permissão, dada a quem é proprietário, de usar, gozar e dispor de seus bens (CC, art. 1.228, caput). Qualquer dos cônjuges, segundo o art. 1.647, I, do Código Civil, não pode, sem consentimento do outro, salvo no regime de separação absoluta de bens, alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis (CPC, art. 10, com redação da Lei n. 8.952/94, e 11, parágrafo único). Pode fazê-lo, mas não tem direito de alienar sem outorga uxória ou marital. Como se vê, a chamada facultas agendi é anterior ao direito subjetivo. Primeiro, a faculdade de agir, e, depois, a permissão de usar essa aptidão.

Ante essa concepção, não podem ser aceitas as três teorias sobre a natureza do direito subjetivo, consagradas pela doutrina tradicional, que são:

1) A da vontade, de Savigny e Windscheid, que entende que o direito subjetivo é o poder da vontade reconhecido pela ordem jurídica.

A esta teoria surgiram as seguintes objeções: a) Sua definição é menos extensa que o definido, pois há direitos em que não existe uma vontade real do seu titular. P. ex.: os incapazes têm direito subjetivo, podem ser proprietários, herdar etc., mas não possuem vontade em sentido jurídico e próprio; o nascituro tem direito à vida, ao nome, à sucessão, embora não possua vontade própria; as pessoas jurídicas têm direitos, mas não se pode falar, com propriedade, na "vontade" desses entes; o empregado tem direito às férias anuais remuneradas; mesmo que queira renunciar a ele, sua renúncia não terá efeito jurídico. b) Casos existem em que há uma vontade real, porém o ordenamento jurídico não protege, propriamente, a "vontade" do titular, mas, sim, o seu direito. c) O direito subjetivo não depende da vontade do titular. Pode existir sem fundamento nessa vontade. Deveras, os direitos de alienar, comprar, emprestar. O direito de cobrar um débito pode ser desprezado pelo credor; o direito de propriedade pode surgir sem que o proprietário o deseje.

2) A do interesse, de Ihering, para a qual o direito subjetivo é o interesse juridicamente protegido por meio de uma ação judicial. Não se diga, também, que o direito subjetivo é interesse juridicamente protegido porque: a) Há interesses, protegidos pela lei, que não constituem direitos subjetivos. P. ex.: no caso das leis de proteção aduaneira à indústria nacional, as empresas têm interesses na cobrança de altos tributos pela importação dos produtos estrangeiros, mas não têm nenhum direito subjetivo a tais tributos. b) Há hipóteses de direitos subjetivos em que não existe interesse da parte do titular. P.ex.: os direitos do tutor ou do pai em relação aos filhos são instituídos em benefício dos menores e não do titular. c) Na verdade, quando se diz que direito subjetivo é um "interesse", o que se está dizendo é que o direito subjetivo é um bem material ou imaterial que interessa. P.ex.: direito à vida, à liberdade, ao nome, à honra etc. Ora, interesse é utilidade, vantagem ou proveito assegurado pelo direito; logo, não tem sentido dizer que direito subjetivo é objeto que interessa. Os interesses ou bens não constituem direito subjetivo, são objetos em razão dos quais o direito subjetivo existe. Quando algo interessa a uma pessoa, ela procura consegui-lo. A pessoa age, buscando o bem que lhe interessa. Se ela age é porque tem essa faculdade. A permissão para empregá-la é que é o direito subjetivo. O direito objetivo permite que a pessoa faça ou tenha o que lhe interessa ou não. Essa permissão é que é juridicamente protegida porque foi dada pelo direito objetivo e porque seu emprego é assegurado pelos remédios de direito.

3) A mista, de Jellinek, Saleilles e Michoud, que define o direito subjetivo como o poder da vontade reconhecido e protegido pela ordem jurídica, tendo por objeto um em ou interesse; não pode ser aceita, por nós, pelas mesmas razões das anteriores.

Nítida é a correlação existente entre o direito objetivo e o direito subjetivo. Apesar de intimamente ligados, são inconfundíveis.

O direito objetivo é sempre um conjunto de normas impostas ao comportamento humano, autorizando-o a fazer ou a não fazer algo. Estando, portanto, fora do homem, indica-lhe o caminho a seguir, prescrevendo sanção em caso de violação.

O direito subjetivo é sempre permissão que tem o ser humano de agir conforme o direito objetivo.

Um não pode existir sem o outro. O direito objetivo existe em razão do subjetivo, para revelar a permissão de praticar atos. O direito subjetivo, por sua vez, constitui-se de permissões e autorizações dadas por meio do direito objetivo.

(Curso de direito civil brasileiro, Maria Helena Diniz, Vol. I, págs. 24 a 27)
   

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